Last modified: 2015-08-27
Abstract
Introdução
Este artigo descreve um entrelaçamento possível entre pesquisa e ensino tomando como estudo de caso o uso do design de interação e da computação física em uma disciplina de introdução ao projeto no curso de arquitetura da XXXXX. Este ensino é baseado na interação de três eixos conceituais: (i) a idéia de meta-aprendizado - um processo de aprendizagem recursivo baseada no princípio cibernético de circularidade e feedback; (ii) o aprendizado compartilhado - um processo conjunto de aprendizagem que inclui não só a aprendizagem colega-a-colega (peer-to peer), mas assume que alunos e professores, ao pesquisar uma questão específica, estarão aprendendo juntos; (iii) o deslocamento da ideia de criatividade como transgressão para criatividade como jogo - ou seja, deixando de incentivar a substituição de um modelo existente por um mais novo (transgredir) e incentivando a interação entre modelos existentes de forma a gerar um terceiro modelo diferente (jogar).
Além de ser radicalmente centrada em uma aprendizagem colega-a-colega (peer-to-peer), a disciplina se baseia na ideia do “mestre ignorante”, aquele que pode levar o aluno a aprender um assunto que o professor não sabe. Neste sentido ela é também baseada no conceito de "canibalismo cultural" desenvolvido pelo poeta Oswald de Andrade, e que de certa forma corresponde às proposições cibernéticas de circularidade, feedback e conversação. Nos últimos anos, a disciplina evoluiu e tornou-se fundamentada na Cibernética de Segunda Ordem, que permite uma estrutura aberta à indeterminação organizacional visando a autonomia dos alunos.
Metodologia
O artigo irá descrever a organização modular da disciplina, seus princípios e sua evolução ao longo dos últimos 17 anos. Atualmente, o principal trabalho da disciplina é uma intervenção urbana interativa que é a culminação de quatro módulos: percepção, criação, execução e representação. Apesar do aspecto incremental da sequência de módulos, cada um deles tem em si uma recorrência estrutural, com o aninhamento de discussões semelhantes aos quatro módulos, com uma crescente complexidade que leva o aluno a refinar a sua capacidade crítica e instrumental.
Em 1999, publicamos um artigo para o IDATER apresentando nossa abordagem para o ensino de tecnologia da informação (TI) em arquitetura. Tal artigo introduziu a idéia de meta-aprendizado e apresentou uma crítica das abordagens tradicionais que tentávamos então superar. Ali discutimos as limitações do ensino de TI e porque estávamos convencidos de que o mesmo precisava ser superado para que as tecnologias da informação de fato se tornassem parte da prática e pesquisa arquitetônica, ao invés de uma mera ferramenta para a representação. Agora, mais de uma década depois, e após expandirmos a disciplina de 60 para 165 horas por semestre, acreditamos ser possível sistematizar a nossa prática pedagógica, discutindo as pesquisas por trás da mesma e suas implicações para o ensino de projeto arquitetural. Neste sentido, o artigo será informado por exemplos de trabalhos dos alunos e nossas palestras performativas, de forma a permitir uma discussão particular sobre o entrelaçamento do design de interação e educação arquitetônica.
Desenvolvimento
A evolução da disciplina, assim como das pesquisas levadas a cabo no laboratório XXXX, apresentam uma mudança da investigação que acompanha o deslocamento das investigações mais gerais que deixam de ser focadas na tecnologia da informação (TI) em direção à noção mais ampla de tecnologia da informação e comunicação (TIC), deslocamento esse que vem a ter visíveis implicações para a pesquisa e o ensino de arquitetura. As principais referências para se juntar arquitetura e comunicação podem ser tomadas tanto a partir do advento da imprensa no Renascimento e a consequente ameaça de que a arquitetura fosse substituída pelo livro como o principal meio de informação (Victor Hugo), quanto a partir de discussões contemporâneas da cibernética (Gordon Pask, Cedric Price, Ranulph Glanville, entre outros), assim como da comunicologia (Vilém Flusser). O segundo passo na evolução da disciplina é a discussão destes conceitos, focando na necessidade de se ir além da representação da informação, tanto em arquitetura quanto nas TICs. Nesse sentido nos aproximamos daquilo que chamamos de "espacialização" da informação e da comunicação por meio do design de interação e da computação física. Tendo por base as abordagens pedagógicas de Seymour Papert, Paulo Freire e Donald Schön, o foco é levar os alunos a se envolverem com o objeto de aprendizagem através de sua “espacialização”, ao mesmo tempo em que fazem uso da computação física. O terceiro passo avança tanto as questões pedagógicas quanto as discussões de arquitetura, introduzindo a espacialização da informação e da comunicação em ambientes híbridos, ou seja, avançando os experimentos para além das representações digitais interativas em direção aos ambientes físico-digitais. Inicialmente trabalhávamos com software proprietário, como o Macromedia (agora Adobe) Diretor (com o plug in TTCPro) para interagir com o conteúdo programado por meio de gestos, e agora estamos trabalhando com software livre (Processing, Arduino e outros) e hardware livre (Arduino e outros microcontroladores, além de sensores, atuadores e dispositivos mecânicos para input e output) de forma a expandir as possibilidades de programação, de interação, assim como da espacialização da informação e da comunicação.
Estas três etapas podem ser sucintamente resumidas em três abordagens pedagógicas: a primeira é a instrucionista, aquela em que as pessoas recebem o peixe; a segunda é a abordagem mediada, aquela em que as pessoas são ensinadas a pescar; e a terceira é a abordagem crítica, em que o meta-aprendizado é crucial e as pessoas se tornam capazes de decidir por si mesmas o que elas querem fazer e, consequentemente, buscar as informações necessárias para tal (elas podem pescar, caçar, plantar, etc).
Em outras palavras, a disciplina se baseia no desenvolvimento da habilidade dos alunos para o auto-desenvolvimento de novas habilidades. Por exemplo, em vez de simplesmente ser ensinado a usar os instrumentos, o aluno é solicitado a desenvolver um projeto específico e para o qual ele é incentivado a descobrir por si mesmo como utilizar os instrumentos (software ou hardware) necessários para completar a tarefa. Este é o primeiro nível do processo de aprendizagem, que é feito de forma coletiva, com cada estudante investigando uma ferramenta ou processo específico e, em seguida, compartilhando de forma sistematizada o conhecimento adquirido com todo o grupo. A análise e a crítica dos trabalhos resultantes também é feita entre colegas. Dessa forma, eles não apenas desenvolvem o seu próprio processo de aprendizagem (sem serem ensinados no sentido tradicional), como também se tornam capazes de criticar os instrumentos que foram usados para criar os conteúdos. Além disso, eles são encorajados a abusar dos instrumentos de uma forma criativa, por exemplo, usando o software de CAD para representar as sensações que tiveram ao levantar dados a respeito de um espaço específico para o qual irão propor uma intervenção interativa. Eles são solicitados a produzir uma animação apresentando o modelamento das sensações que tiveram neste lugar, incluindo imagens 2D no modelo 3D. Isso só pode ser feito através de um uso inusitado do software e está diretamente vinculado a outro exercício que propõe o uso de uma estratégia inspirada pela ‘entailment mesh’ (rede de implicações) de Gordon Pask, quando os alunos criam sua própria ferramenta inicial para lidar com o lugar que escolhido para construir a intervenção. Para cada sensação que se registra no lugar escolhido, eles atribuem duas substâncias que dão origem à sensação e duas ações que podem ser originadas a partir dela. Uma rede de implicações simplificada começa a se desenvolver a partir deste processo, levando a uma idéia abstrata da intervenção interativa. O resultado é que em vez de usar um processo convencional de projeto baseado na forma, os estudantes criam sua própria ferramenta para informar o seu projeto, abrindo possibilidades para diferentes articulações espaciais concretas que surgem em resposta à problematização abstrata que atingiram com a rede de implicações.
Discussão
As principais conclusões do XXXX é que meta-aprendizado precisa ser informado em um sistema de feedback, como o sistema cibernético no qual ele se baseia, e para tanto, os alunos e professores precisam ter um abertura para aprender rápido e simultâneamente com as demandas externas e internas do mercado, com os desejos dos alunos e professores, com os desenvolvimentos tecnológicos, etc.
Com a mistura destas abordagens conceituais e pragmáticas torna-se possível escapar e superar a dicotomia de instrucionismo versus construcionismo, com professores e alunos assumindo papéis intercambiáveis e se tornando pesquisadores em uma busca lúdica pelo conhecimento. No entanto, o equilíbrio entre a determinação currícular e o desenvolvimento da autonomia dos alunos tem sido algo difícil de negociar. Enfrentamos as restrições impostas pelo currículo escolar, que ainda é muito baseado no ensino do uso de ferramentas e na transmissão de conteúdo. Ou seja, o currículo escolar limita o desenvolvimento de habilidades de uma forma completamente crítica e também restringe uma possível repercussão do trabalho realizado no primeiro semestre sobre o resto do curso.Keywords
References
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