XIX Congress of the Iberoamerican Society of Digital Graphics, 

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PortoAlegre.cc: interface digital interativa baseada em mapa para a formação de redes de relações democráticas
Guilherme Ferreira de Arruda

Last modified: 2015-08-27

Abstract


Introdução

Este artigo apresenta e analisa uma interface online baseada em um mapa interativo de Porto Alegre - RS, chamada PortoAlegre.cc [www.portoalegre.cc]. A partir da análise das características da PortoAlegre.cc e seus usos, o objetivo é salientar questões a serem consideradas no processo de projeto de interfaces digitais interativas com potencial de formar redes de relações políticas e democráticas. Uma vez que as redes de relações são construídas a partir da comunicação, é necessário que a interface estimule a troca de informações de forma dialógica e acerca de assuntos de interesse público, como será discutido a seguir. Essa abordagem é relevante pois indica um novo papel para o arquiteto de projetar interfaces baseadas nas complexidades espaciais para a articulação e empoderamento das pessoas de forma que possam agir politicamente na produção do espaço cotidiano.

O potencial de uma interface digital em formar redes de relações políticas e democráticas condiz, aqui, com dois quesitos principais. Primeiro, a comunicação (troca de informações) entre os usuários na rede deve ser dialógica, isto é, como define Vilém Flusser, em um processo de retroalimentação de informações que pode criar novas informações e gerar mudanças (sociais, por exemplo), contrário à lógica do discurso, na qual informações são apenas distribuídas (FLUSSER, 2008). Segundo, a comunicação em rede deve abordar assuntos relativos a questões de interesse, exclusivamente, público. Hannah Arendt aponta como uma das características da perda da ação política dos cidadãos o momento em que interesses privados (principalmente relativos à riqueza monetária) passam a balizar decisões políticas (ARENDT, 2011). Ou seja, é necessário que a interface obstacularize questões privadas, ao passo que estimule discussões, de fato, relevantes para a comunidade. Uma vez que a comunicação se dá em diálogo e acerca de assuntos de interesse público há grande potencial em estabelecer redes de relações políticas e democráticas.

Nos últimos anos cada vez mais há muitas discussões, fora e dentro da academia, sobre como a comunicação mediada por computador passou a aproximar as pessoas em direção a relações democráticas. É indiscutível que a Internet, e as demais tecnologias da informação e comunicação, têm características favoráveis para tal: além de possibilitar a comunicação de duas vias, com abertura para o diálogo (diferente da televisão e do rádio, por exemplo), a Internet permite que redes de relações sejam formadas independente de distâncias ou relações prévias, ou seja, com abertura para que pessoas de diferentes lugares e círculos sociais se comuniquem com facilidade.

Há variados tipos de interfaces online interativas para investigar a validade das características citadas acima (redes sociais, grupos de discussões, blogs etc), porém o foco aqui será dado à interfaces baseadas em mapas interativos. O motivo deste recorte está no potencial que os mapas têm de abranger os mais variados tipos de discussões sobre a cidade. Uma vez que, como aponta Henry Lefebvre, “o espaço é o principal elemento estrutural das relações sociais (KAPP, BALTAZAR, MORADO, 2007, p.12), os mapas são ferramentas muito efetivas para evidenciar conflitos sociais, pois a partir deles é possível iniciar discussões sobre mobilidade urbana, relações de vizinhança, descaso do poder público, espaços públicos e privados, grupos sociais específicos etc.

Das interfaces digitais baseadas em mapas que foram pesquisadas (Oscity, Guia Morador de Belo Horizonte, Onde Fui Roubado, Ushahidi), a que mais se destacou para alimentar a discussão foi a PortoAlegre.cc. A interface, diferentemente das demais pesquisadas, não tem um foco específico, abordando assuntos variados da vida urbana de uma capital brasileira, tendo abertura para a problematização das questões e para o diálogo voltado para assuntos de interesse público.

PortoAlegre.cc

A interface PortoAlegre.cc, criada em 2011 em Porto Alegre, consiste em um mapa da cidade online no qual as pessoas podem destacar lugares específicos, atribuindo-lhes uma “causa” que, como definido no site, “é algo que pode ser feito para melhorar um lugar em Porto Alegre”. Ou seja, os usuários podem expor ideias, incômodos ou qualquer tipo de comentário relacionados a algum lugar da cidade (rua, esquina, praça, hospital etc), afim de gerar discussões que possam, de maneira geral, trazer melhorias no cotidiano da população.

As pessoas podem usar a interface de duas formas: criando as próprias “causas” ou explorando e comentando as “causas” já criadas. Após o cadastro, o usuário deve indicar no mapa o local referente à questão a ser levantada, escrever a “causa”, podendo postar fotos ou vídeos se quiser e, antes de publicá-la, deve relacioná-la a uma das doze categorias pré-estabelecidas, tais como cidadania, cultura, educação, meio ambiente, esportes e lazer, empreendedorismo, mobilidade urbana, saúde e bem estar, segurança, urbanismo, turismo e tecnologia. Desta forma as pessoas podem explorar o mapa visualizando as “causas” setorizadas pelas categorias ou pelos bairros da cidade.

Método

Para investigar o potencial da interface em formar redes dialógicas e acerca de assuntos de interesse público foram analisadas 85 “causas”, escolhidas aleatóriamente dentre as doze categorias. Primeiramente foi recolhido o número de “causas” que geraram algum tipo de interação entre os usuários. Em seguida, das “causas” que obtiveram respostas, foram contabilizadas as que iniciaram discussões consistentes, ou seja, com potencial de criar novas informações e não apenas concordando com a questão levantada. Por fim foi feito um levantamento dos assuntos abordados afim de investigar se condizem com assuntos de interesse privado ou público e como os usuários categorizaram as questões nos temas pré-definidos pela interface.

Resultados

Das 85 “causas” investigadas, 62 não obtiveram comentários posteriores, ao passo que apenas 23 conseguiram, de alguma forma, engajar outras pessoas no assunto proposto. Ou seja, 73% das “causas” analisadas não iniciaram qualquer tipo de articulação entre as pessoas. A situação se mostra ainda mais problemática quando, em 18 das 23 “causas” que obtiveram respostas, os comentários eram rasos, pouco contribuindo para a problematização e para a continuidade do desenvolvimento do assunto. Ou seja, das 85 causas analisadas, apenas 5 iniciaram uma articulação entre os usuários em torno do assunto proposto, próximas de causar mudanças como, por exemplo, quando os usuários organizaram um mutirão para limpar uma praça, ou quando se organizaram para pôr em prática um sistema de doação de livros. Mesmo assim, nota-se que os processos estão muito vinculados à resoluções de problemas, sem, de fato, haver o diálogo entre os usuários ao ponto de criar novos valores ou repensar as categorias políticas atuais. Em nenhum momento foi discutido o porquê a praça estava suja ou quais seriam as possíveis medidas futuras para que o fato não se repetisse. A lógica de resoluções de problemas, ao invés da problematização dos mesmos, prevalece nos usos da PortoAlegre.cc. Das 85 “causas” analisadas, 44 eram reclamações feitas diretamente para a Prefeitura da cidade, como “a rua está mal iluminada”, “falta segurança no bairro”, “tem muitos buracos na avenida” etc.

Em relação às categorias impostas pela interface, o que se vê é uma confusão generalizada por causa da dificuldade de simplificar um problema a uma única categoria. Desta forma há a impressão que as “causas” são aleatórias, uma vez que assuntos sobre o trânsito, por exemplo, são abordados em “cidadania”, “meio ambiente” e “mobilidade urbana”. Ou seja, ao invés de facilitar a investigação das “causas” e evidenciar quais são as categorias mais abordadas pelos usuários, a interface acaba por complexificar a visualização dos conteúdos de forma que, apesar de estarem disponíveis, não são facilmente acessados

Discussão

A análise da PortoAlegre.cc aponta caminhos para o projeto de outras interfaces interativas com abertura para formar redes de relações políticas e democráticas. Primeiro pode-se afirmar que, apesar de ter abertura para o diálogo, o grande número de categorias pré-definidas pela PortoAlegre.cc reduz questões socio-espaciais complexas a categorias como “saude”, “educação”, sendo que, no fundo, as complexidades sociais são interconectadas, ou seja, não deveriam ser abordadas separadamente. Desta forma o que vemos é um grande número de reclamações, mais próximas do discurso que do diálogo. Uma saída seria contextualizar a interface com a realidade da comunidade, abordando temas que condizem com o cotidiano das pessoas instigando, assim, o diálogo. Por fim, a análise dos usos da interface deixa claro o poder dos mapas em direcionar as discussões a questões de interesse público, exclusivamente. Esse fato é definidor para a produção de outras interfaces: além de manter as questões urbanas em voga, o uso de mapas articula pessoas não pelos círculos sociais que já pertencem, mas sim pelo interesse em comum pela cidade.

Sendo assim, podemos concluir que um caminho para a produção de interfaces democráticas, no sentido abordado aqui, é contextualizar o conteúdo com as questões relevantes da comunidade e usar mapas como base para os possíveis diálogos, direcionando-os às complexidades socio-espaciais para um possível empoderamento da população e mudanças sociais iniciadas pelos próprios usuários do espaço. Desta forma o arquiteto atua como catalisador de relações potentes para melhorar as cidades de baixo para cima, democraticamente.


Keywords


interfaces digitais; esfera pública; mapas

References


ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas - elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008

KAPP, Silke; BALTAZAR, Ana; Morado, Denise. Architecture as critical exercise: little pointers towards alternative practices in architecture. In Field: a free journal for architecture, vol. 2, no. 1, Oct 2008, pp. 7–30, 2007


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