Last modified: 2015-08-27
Abstract
Na prática contemporânea Arquitetura, três tipologias de detalhamento se destacam [1]: (i) a literal, na qual a forma se apresenta como a solução de um problema técnico, (ii) a representativa, na qual o ornamento é desconectado das necessidades construtivas do edifício e (iii) a abstrata, na qual o detalhe atende a uma função técnica, mas não contribui visualmente para a linguagem do edifício. A forma como resposta a um problema de engenharia e como objeto dotado de intencionalidade estética não são necessariamente excludentes, embora a divergência de objetivos, linguagens e ferramentas entre Arquitetura e Engenharia Civil geralmente represente um obstáculo para que elementos de ligação em estruturas metálicas sejam concebidos simultaneamente como estrutura e portadores de significado. Este trabalho analisa o detalhamento destas ligações, a luz dos exemplos notáveis da produção recente de Arquitetura e do amadurecimento de ferramentas computacionais para modelagem geométrica computacional e fabricação destes componentes por maquinaria baseada em Controle Numérico por Computador (CNC).
Um dos fundamentos deste debate é a articulação (i) entre problemas bem definidos e que podem ser implementadas computacionalmente, como a predição de esforços em uma chapa de aço ou os limites de operação de um equipamento CNC e (ii) problemas que não são bem definidos e não são passíveis de automação, como um algoritmo geral para criação de formas que comunicam "alegria" ou "ansiedade". Existem diversos algoritmos robustos para otimização topológica de estruturas contínuas ou discretas onde a distribuição de material é executada de modo a incrementar o desempenho mecânico de um componente, dados apenas os seus apoios e as suas forças externas. Frequentemente, a geometria obtida por estes processos não está contida em nenhum repertório formal pré-definido. Potencialmente inovadoras, estas implementações encontram aplicações em microestruturas e em aeronáutica. Existem na literatura trabalhos recentes que discutem suas aplicações em Arquitetura e Engenharia Civil. É um debate promissor, mas que minimiza a intencionalidade estética na definição do problema e que nem sempre leva em consideração aspectos construtivos na construção civil. Adicionalmente, a concepção de detalhes nem sempre é uma tarefa linear, completamente lógica [2], que possa ser reduzida a algoritmos e implementada computacionalmente como regra geral.
Atualmente, somente os projetos mais avançados de edifícios em aço fazem uso das ferramentas computacionais disponíveis com o desenvolvimento tecnológico das ferramentas de representação gráfica [3]. Os proponentes destes processos mais sofisticados, frequentemente, traduzem informações digitais em comandos para a fabricação automática de componentes via CNC , o que permite que o detalhamento seja enviado diretamente do projetista para a maquinaria do fabricante em aço. Isto não significa que o detalhamento seja, necessariamente, incluído no vocabulário formal destas construções. Zaha Hadid, Rem Koolhas e Ben Van Berkel, que fazem uso extensivo de tecnologias CAD e parametrização avançadas, defendem que o detalhamento como portador de significado é uma necessidade obsoleta. Curiosamente, é na obra de um engenheiro, que foi colaborador de Renzo Piano e Richard Rogers, que se encontra uma das mais proeminentes contribuições recentes ao detalhamento de estruturas metálicas como concepção arquitetônica: Peter Rice se considerava herdeiro de uma nobre e antiga tradição e, de fato, Richard Rogers o comparou a Brunel e Bruneleschi, capazes de “traduzir problemas técnicos em soluções poéticas”[4].
A História da Arquitetura, desde a Antiguidade, é pródiga em exemplos de detalhes com função estrutural que primam por sua expressividade. Todo capitel grego, qualquer que seja sua Ordem, redistribui os esforços entre o fuste e a arquitrave enquanto comunica estados de espírito que abrangem da austeridade marcial à graciosidade de uma jovem adolescente. Entretanto, capitéis como forma e estrutura são o produto amadurecido por tentativa e erro através de sucessivas gerações em uma sociedade que não pode ser equiparada ao mundo contemporâneo, onde a evolução da tecnologia e o impulso por inovação agregam valor ao trabalho criativo.
Este trabalho parte da análise da obra de Peter Rice e, com base em uma interpretação crítica de suas soluções e na avaliação dos recursos técnicos disponíveis, apresenta um sistema computacional para geração geométrica parametrizada, otimização e fabricação digital de detalhes para estruturas metálicas. A integração destas etapas de projeto em um único ambiente computacional (i) reduz a perda de dados que eventualmente ocorre quando os procedimentos são desenvolvidos em aplicativos diferentes, (ii) reduz o desperdício de tempo associado à conversão de dados entre aplicativos e (iii) potencializa a interação entre geometria e desempenho mecânico no processo de concepção dos detalhes. A parametrização é baseada na teoria dos sistemas generativos[5-8], o que permite que uma mesma estratégia de modelagem seja adaptada a uma ampla gama de situações. A metodologia para o desenvolvimento dos detalhes é baseada em Emmit [9] e Allen [2].
As implementações foram efetuadas na linguagem de programação C# e compiladas dentro do ambiente do VisualStudio© como componentes para o add-on Grasshopper, que funciona concomitantemente com o aplicativo Rhinoceros (McNeel, Inc.). Utilizando a funcionalidade de otimização Galapagos, dentro do Grasshopper, definiu-se uma função de aptidão para o algoritmo genético baseada nas prescrições da American Institute of Steel Construction (AISC), voltadas para o dimensionamento de ligações em aço. A distribuição de tensões nas paredes de aço das ligações são obtidas por análise linear de esforços estáticos por meio de outro add-on do Rhinoceros, o Scan-and-Solve. Esta ferramenta oferece um conjunto simplificado de funções para a avaliação do comportamento mecânico de geometrias desenvolvidas, podendo ser classificado como uma “ferramenta de baixa resolução” (segundo a definição de Kolarevic [10]) a depender da complexidade da situação em que é empregada. Ferramentas computacionais de baixa resolução são úteis em fases iniciais de projetos arquitetônicos, pois não exigem treinamento técnico sofisticado e, em geral, demandam pouco esforço computacional. Entre as desvantagens destas ferramentas, pode-se citar que (i) nem sempre é explícita a margem de erro envolvida e (ii) avaliar a taxa de erro tolerável em certos casos exige um nível de qualificação técnica e experiência maior do que a do usuário para o qual uma ferramenta de baixa resolução se destina.
Outro objetivo deste trabalho é a avaliar o comportamento do Scan-and-Solve em um conjunto de situações de projeto para o qual ele não foi especificamente projetado, entre elas (i) conexões rotuladas, (ii) ligações por parafusos, (iii) flambagem, (iv) plastificação e (v) tensões residuais geradas pelas soldas. Como controle para esta avaliação, estabeleceram-se comparativos com um aplicativo de análise de estrutural de alta resolução, para as mesmas situações. Como um dos resultados desta investigação produziu-se uma tabela de aplicações nas quais o uso do Scan-and-Solve permite análises precisas, aproximadas, toleráveis ou não confiáveis, para o caso específico de detalhamento em estruturas metálicas.
Para os casos em que os algoritmos de geração geométrica, análise e otimização forem validados, foram produzidos protótipos em escala natural por meio de fabricação digital. A produção de das peças obedeceu diversas abordagens: (i) corte de chapas, (ii) dobras de chapas e (iii) usinagem, as quais são também apresentadas neste artigo. Nessa etapa que compreende a fase final da produção dos componentes metálicos estudados, as peças em aço foram produzidas por equipamentos CNC em um laboratório universitário e em uma empresa de corte e conformação de chapas metálicas. O objetivo da fabricação destes protótipos foi: (i) avaliar a capacidade funcional das geometrias e (ii) testar a capacidade do maquinário disponível para a produção das geometrias requeridas. Por capacidade funcional entendemos a viabilidade de montagem de dois ou mais componentes gerados e otimizados independentemente, bem como o desempenho de algumas funções, como os detalhes que permitem ou impedem determinados tipos de movimento. Não foram efetuados testes para estimar a resistência dos componentes a partir dos protótipos físicos gerados neste trabalho.
Keywords
References
[1] Ford, E. The Architectural Detail. Nova York: Princeton Architectural Press, 2011.
[2] Allen, E and Rand, P. Architectural Detailing: funtion, constructibility, aesthetics. New Jersey: John Wiley and Sons, 2007.
[3] AISC. Detailing for steel construction.New York: American Institute for Steel Construction, 2002.
[4] Brown, A. Peter Rice: The Engineer's Contribution to Contemporary Architecture. London: Thomas Telford Publishing, 2001.
[5] Celani, G., Vaz, C.E.V., Pupo, R.. Sistemas Generativos de projeto: classificação e reflexão sob o ponto de vista da representação e dos meios de produção. Revista Brasileira de Expressão Gráfica, v. 1, pp. 22-39, 2013.
[6] Mitchell, W.J. A lógica da arquitetura:projeto, computação e cognição. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2008.
[7] Mitchell, W.J. The art of computer graphics programming: a structured introduction for architects and designers. New York: Van Nostrand Reinhold company, 1987.
[8] Stiny G, Gips J. Shape grammars and generative specification of painting and sculpture. USA: Auerbach Publications; 1972; pp. 125–35.
[9] Emmit, S., Olie, J. and Schmidt, P. Principles of architectural detailing. Oxford: Blackwell Publishing Ltd., 2004.
[10] Kolarevic, B. Performatice Architecture: beyond instrumentality. New York: Spon Press, 2005.