XIX Congress of the Iberoamerican Society of Digital Graphics, 

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Babiy Yar: análise do edifício digital, metáfora do holocausto nazista
Fábio Lima, Neander Furtado

Last modified: 2015-08-27

Abstract


Introdução

A Ucrânia já foi o país com a maior quantidade de judeus refugiados no mundo, buscando escapar dos alemães e dos russos. Babiy Yar (em ucraniano: Бабин Яр, Babyn Yar; em russo: Бабий Яр, Babiy Yar) é uma ravina existente em Kiev, capital da Ucrânia, que ficou conhecida na história como local de um dos maiores massacres de judeus e civis da antiga União Soviética, assassinados pelos nazistas durante a II Guerra Mundial. A ravina é uma escavação natural existente no entorno de Kiev, causada pelas enxurradas nos frequentes degelos da neve. Segundo registros históricos, a ravina já tinha sido utilizada para vários propósitos, inclusive campo militar e cemitério ucraniano.

Aproximadamente 100.000 judeus ucranianos foram mortos em Babiy Yar, sendo que nos dias 29 e 30 de setembro de 1941, foram executados cerca de 33.770 pessoas. Naquela época muitos judeus ucranianos chegaram a fugir quando souberam da invasão alemã, mas outra parte da população permaneceu na cidade, pois achavam que iam ser transferidos para outras localidades. No entanto, todos que ficaram, incluindo mulheres, crianças e velhos foram levados para as ravinas de Babiy Yar. Lá a humanidade presenciou uma das maiores brutalidades da História: a multidão era obrigada a se alinhar diante dos soldados armados para serem fuzilados. A grande maioria permanecia ajoelhada de costas, para que já caíssem mortos dentro das ravinas. Esse episódio marcou profundamente a história dos judeus, da Ucrânia (que ainda atualmente sofre com as invasões russas) e daquele lugar que anualmente é visitado por historiadores, religiosos e tantas outras pessoas que não conseguem entender tamanha crueldade.

O projeto experimental realizado pelo Kokkugia desenvolve um edifício em arquitetura digital como propósito de um memorial. Assim como outros modelos digitais, há uma enorme complexidade promovida pelos recursos da computação, a busca por uma experiência singular, um tipo de metáfora visual. O trabalho não apresenta uma significação clara e precisa, mas desenvolve um jogo formal abstruso capaz de denotar as tantas complexidades de um modelo arquitetônico capaz de evocar os horrores do genocídio.

Se na arquitetura digital temos tantos processos diferentes de projeto, há um modo de adentrar às suas especificidades? Como é possível estruturar uma análise do modelo digital, de modo a compreendê-lo em etapas sistemáticas, para que o conhecimento acerca desse objeto arquitetônico não seja equivocado? Existe algum encaminhamento capaz de localizar as unidades estruturantes do modelo, as bases da sintaxe? Além disso, como entender seus aspectos semânticos, os significados proporcionados pela força de expressão e também pragmáticos?

Como modo de compreender casos digitais cada vez mais presentes no cotidiano de projeto, esse trabalho visa exemplificar uma aplicação do método semiótico, no sentido do reconhecimento das arquiteturas digitais a partir do detalhamento das suas características. No modo como essas arquiteturas são geradas, há vínculos e referências de operações estratégicas num meio firmado na complexidade, aferidas nas instâncias dos seus distintos modos de ser. A proposta é a de realizar um exemplo de análise do processo digital (apresentando os conceitos e elementos fundantes no interior do processo); o entendimento acerca da expressão desses objetos, na lógica frequente de alcançar o objeto singular ou extraordinário e, por fim, seus aspectos contextuais pragmáticos.

Procedimentos Metodológicos

O trabalho do grupo Kokkugia, liderado por Roland Snooks e Robert Stuart-Smith, denominado Babiy Yar Memorial, é um projeto experimental cujo enfoque prioriza estudos de Inteligência Coletiva e Geometria Topológica. Trabalhos como esse denotam um objeto complexo, inserido como parte da produção dos bens simbólicos contemporâneos. Em casos como esse o campo da semiótica pode reunir operações metodológicas capazes de percorrer suas qualidades recônditas, compenetrando-se nas suas características, determinando singularidades e localizando resultados que muitos aparatos teóricos não conseguem alcançar.

A proposta teórica das discussões conceituais dessa arquitetura digital é estabelecida pelos conceitos do signo arquitetônico segundo categorias da sintaxe, semântica e pragmática desenvolvidas na semiótica de Charles William Morris (1976), além de outros conceitos de Charles Sanders Pierce (1976). No entanto, as categorias morrisianas foram, em diversos aspectos, deixadas em aberto e não completamente detalhadas para as quais as suas várias situações de uso poderiam ser aplicadas. Em função disso, outros autores serão utilizados como aportes teóricos e práticos para situações específicas quando se mostrarem necessárias. Serão referenciados os estudos sobre o signo arquitetônico de ECO (1999, 2004, 2007), AGREST; GANDELSONAS (2008), BROADBENT (2008) e SILVA (1985).

Busca-se a caracterização do signo arquitetônico digital por KOLAREVIC (2000, 2003, 2005), LYNN (1993), PIAZZALUNGA (2005) OXMAN, (2005, 2008), KOTNIK (2006), PICON (2003, 2010, 2013), TERZIDIS (2006). E em relação a determinadas especificidades advindas de outros campos teóricos, são referenciadas as abordagens do modelo numérico, do espaço virtual, conforme LÉVY (1993, 1996, 1997), SANTAELLA (2000), COUCHOT (2003), GIANETTI (2006), MACHADO (2000) e outros.

Resultados

A construção de gráficos e esquemas explicativos das etapas que elucidam a sintaxe (as unidades estruturantes do processo de projeto, as características definidoras ou fundamentais da forma); da semântica (dos sentidos objetivos e figurados pretendidos); da pragmática (a apropriação no contexto de projeto, relações com os usuários, etc.) tornaram-se fundamentais na definição de etapas mais consistentes de abordagem, permitindo deixar mais claras e resumidas as muitas operações realizadas.

Em Babiy Yar Memorial, há um diálogo produtivo entre muitos aspectos contraditórios, entre aquilo considerado muitas vezes impossível de edificar, modelado no caos e, dentro dos limites de uma forma topológica. Conciliar esses dois polos tornou-se acertado no objetivo de conseguir algo único. O contraste entre a forma delineada por um conjunto de superfícies planas e os trechos caóticos permitiu sobrevalorizar o conjunto. O edifício, como uma grande pedra simbólica, evocada de muitas maneiras, ora associada à simplicidade, ora à profusão, tornou-se um modelo de abstração extraordinária.

Fazer aparecer o monólito é deixar sempre à mostra a salvaguarda da memória, dos fatos que não podem ser esquecidos. O marco, como índice de algo que precisa ser reconhecido é feito de granito oblongo, signo a ser reconhecido por todos. Por meio desse exemplo procura-se estabelecer um modo desses resultados servirem para elucidar com maior ênfase algo que passa no interior dessa arquitetura digital, apontando discussões e conceitos, trazendo à luz o que se encontra obscurecido num primeiro relance, subentendido por uma grande parte do plano representativo, tornando-se necessário desocultar.

Discussão

Há inevitavelmente um embate causado pelo modelo porque muitos fundamentos ou conceitos de arquitetura encontram-se fragilizados. A perturbação ocorre pelos níveis extremos de resultados, espaços surreais, excêntricos, surgidos na composição do lugar. A partir do contexto do massacre dos judeus na Ucrânia, os autores procuraram desenvolver aspectos psicológicos no que tange ao horror e a piedade. Todo o tipo de violência ocorrido no passado e da memória da catástrofe, das atrocidades que estão registradas em centenas de fotografias e vídeos pelo mundo, revelando toda a intransigência e intolerância, violência desmedida. Os horrores do passado e do presente são uma memória indelével, e o projeto experimental proposto pelo Kokkugia trata de um memorial em alusão aos horrores desse holocausto. Parte do princípio do monumento não apenas como um marco, mas como um objeto construído, trazendo o aspecto imersivo da lembrança. Esse projeto especulativo reconsidera o monumento como objeto arquitetônico, um espaço que emerge da paisagem e é esculpido como monólito.

Os autores do projeto criam condições para impregnar um sentimento que compreende mesmo um vazio existencial: como as pessoas podem se dar conta da perda de sentido para as coisas, uma reflexão sobre a vida, de como as pessoas podem ser mais conscientes e tolerantes, e ao final, tornarem esse mundo melhor.


Keywords


semiótica, modelo digital, análise, arquitetura digital.

References


Referências

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