Last modified: 2015-08-27
Abstract
INTRODUÇÃO –
Este artigo examina a visualização em realidade aumentada de modelos tridimensionais como instrumento de patrimônio digital. Para tanto, descreve o método desenvolvido para publicação das maquetes e analisa suas características em função do envolvimento emocional com o objeto do passado que está na essência da atividade patrimonial.
O caso estudado é o do Palácio Monroe, o que já chama a atenção para o próprio sentido do patrimônio. O Palácio Monroe foi o pavilhão do Brasil na Exposição Universal de 1904 em Saint Louis nos Estados Unidos, e foi posteriormente reconstruído no Rio de Janeiro. O edifício possuiu diversas funções ao longo dos anos, sendo a mais notável, sem dúvida, a de sede do Senado Federal do Brasil, no período de 1925 a 1960. Após a transferência da capital federal para Brasília o palácio ficou subutilizado; sua demolição, em 1976, por ordem presidencial e com aval de Lucio Costa, foi objeto de grande polêmica nos jornais.
O lugar do Palácio Monroe, não sendo mais físico, agora é o lugar da memória. Sua permanência na lembrança dos cariocas deu origem, primeiro em 2002 e depois novamente em 2006, a debates sobre uma possível reconstrução do palácio. De fato, pelo tombamento do conjunto histórico da Cinelândia, o local onde ele esteve construído encontra-se pouco alterado desde sua demolição. É como se o vazio, marcado pela conservação do entorno, funcionasse como um marcador, no sentido proposto por Urry (1999), sinalizando constantemente a perda e o desaparecimento aos que conheceram o edifício. A Realidade Aumentada serviria para criar uma nova territorialidade para o patrimônio histórico perdido, um território informacional como definido por Lemos (2008).
METODOLOGIA E MATERIAIS -
A busca por métodos para visualização da arquitetura por meios digitais em ambientes urbanos, por meio do que poderíamos descrever como sistemas de realidade aumentada, pode ser traçada até pelo menos o final da década de 1990 (THOMAS et al, 1999). Para o caso presente, foram buscadas alternativas gratuitas e livres para publicação da maquete eletrônica em realidade aumentada, de modo que o processo documentado sirva, posteriormente, com baixo custo, a outros pesquisadores interessados em publicar modelos semelhantes. No sentido de ampliar esse público, foram evitadas alternativas que demandassem profundos conhecimentos em linguagens de programação, tendo em mente a aplicação do método pelo profissional médio formado pelos cursos de Arquitetura.
A plataforma Layar foi escolhida como base para os testes, por ser gratuita e permitir a criação de camadas através de sua plataforma de criação on line, o Layar Creator. Como o site do aplicativo não armazena os modelos tridimensionais nem os dados de localização, é necessário utilizar um outro servidor, responsável por armazenar os dados e arquivos a serem exibidos em realidade aumentada (imagens, textos, hiperlinks e/ou objetos tridimensionais. Este servidor responde ao site do Layar com tais dados, formatados em JSON (JavaScript Object Notation).
Existem plataformas independentes que possuem servidores próprios e formatam os dados para as respostas ao Layar em JSON, convertendo os arquivos da maquete eletrônica sem que seja necessário escrever manualmente o código de resposta. No entanto, a maioria desses sites cobram taxas mensais ou anuais para isso. O Feedgeorge Augmented Reality Plug-in, para sites na plataforma Wordpress, foi a opção gratuita encontrada. Para utilizá-lo, foi necessário criar um site específico da pesquisa em Wordpress – em um servidor gratuito que, por sua vez, suportasse o sistema –, no qual o plug-in foi instalado. Cabe ressaltar que, para nenhum desses procedimentos, foi necessário conhecimento algum em linguagens de programação.
A maquete eletrônica do Palácio Monroe, utilizada originalmente em uma pesquisa histórica sobre o Centro do Rio de Janeiro, foi então convertida para o formato 3d específico do aplicativo Layar (.3dl). Finalmente, foi criada uma camada georrefenciada (geolayer) no Layar Creator, referenciando a URL do site Wordpress onde estão os dados da camada, de localização e escala do ponto de interesse. Esses dados foram inseridos no site Wordpress através dos próprios formulários do sistema, anexando o arquivo da maquete eletrôninca e publicando a camada.
RESULTADOS -
Com a maquete pronta, na escala certa e rotacionada no ângulo correto, foi realizado o teste na Cinelândia, no lugar em que o Palácio esteve construído. Já se imaginava que as muitas árvores existentes poderiam atrapalhar a visualização, de modo que foram escolhidos pontos estratégicos de observação, onde existiam menos elementos obstruindo a visão.
Foi possível visualizar o edifício por inteiro na tela do smartphone a partir de uma distância de aproximadamente 100m do ponto georreferenciado da maquete. A tela do smartphone utilizado é pequena e não permite ver o modelo por inteiro de um ponto muito próximo - a tela de um tablet talvez permitisse uma visualização melhor – provavelmente superada por um sistema tipo Head-Mounted Displays, com a tela ocupando uma parte maior do campo de visão do usuário, ainda que sejam sistemas menos difundidos que os smartphones, ainda mais nos espaços públicos das cidades.
O modelo, em alguns momentos, parece estar flutuando, algo já esperado, uma vez que o aplicativo Layar não reconhece diferenças de altitude, localizando o modelo no mesmo plano horizontal do observador. É de se supor que seja uma limitação deste sistema particular para visualização de objetos arquitetônicos em realidade aumentada quando se tratar de terrenos mais acidentados. O fato é que para a tecnologia atualmente difundida, o teste mostrou que é possível ter uma noção da escala e presença que o edifício um dia teve na cidade.
A criação de um território, neste caso um território informacional como preconiza Lemos (2008), é tão verdadeira que é possível inclusive delimitar sua área: no caso do Palácio Monroe, abrange um raio de 500 metros em torno do ponto de locação do modelo, que é a área delimitada nas informações da camada para que o ponto de interesse seja percebido por um smartphone.
DEBATE -
Addoum (2012) comenta sobre o “momento mágico” dos sistemas de realidade aumentada, ou seja, a visualização do objeto virtual na tela, sobrepondo-se à imagem da realidade captada pela câmera. De fato, após os testes, percebemos que boa parte do engajamento com o modelo residia no esforço para simplesmente visualizá-lo. A experiência de carregar um aplicativo pouco comum, para em seguida buscar a camada geo-referenciada e seus pontos de interesse, e finalmente carregar as informações do modelo – tendo a própria largura de banda da telefonia móvel como mais uma etapa –, além da busca ativa com o celular apontado para o local onde supostamente está o objeto, fazem do momento de visualização uma esperada recompensa pelo esforço de entrar em contato com o objeto patrimonial. Uma vez carregado, o exame das suas características físicas e dos efeitos de sua presença naquele entorno se tornavam secundários. É a própria presença do objeto, acha-lo finalmente, o que mais importa.
Esse efeito, em se tratando de patrimônio, não é desprezível. É uma forma de engajamento – depende de uma escolha bastante particular do usuário de interagir com todo o sistema, para finalmente descobrir alguma coisa que não está imediatamente disponível para todos. Trata-se de abrir uma janela para um mundo simbólico invisível, criando uma relação emocional com o objeto patrimonial (LOWENTHAL, 2005, p. 127-132), baseada no ponto de vista do indivíduo e em seu esforço particular de descoberta.
No caso do Monroe, temos a presença de uma ausência, constituindo o que se poderia chamar de uma instância de fantasmagoria urbana, por um lado, e de cidade infiltrada, por outro, de acordo com a proposição de Duarte e de Marchi (2010).
Pode-se argumentar, também, que para o estudo da arquitetura e do espaço urbano em realidade aumentada não existe a mesma liberdade para se escolher pontos de vista como em um ambiente completamente virtual; e que, além disso, a quantidade de elementos no espaço urbano atrapalha a visualização. Estas limitações, no entanto, são fruto da própria presença do observador na cidade, acrescentando à percepção do objeto os diversos matizes e nuances do espaço urbano real, no qual estão incluídas as ações e o próprio corpo do observador (VESELY, 2004, p. 74-86). São a própria essência do espaço híbrido (SILVA, 2006), com seu contínuo de experiência – frequentemente fragmentada, quer por questões técnicas, quer pelas interferências da cidade real. E, por outro lado, alimentando a percepção da própria cidade com a pausa reflexiva proporcionada pelo “momento mágico” – como afirma Manovich (2007), a interação entre o espaço físico e o espaço dos dados, suas continuidades e interrupções, reforçam a importância do espaço físico, em lugar de anunciar a sua superação.
References
ADDOUM, P. From Gimmick to Given: Augmented Reality and the Future of Marketing | Augmented Planet. Disponível em: <http://www.augmentedplanet.com/2012/10/from-gimmick-to-given-augmented-reality-and-the-future-of-marketing/>. Acesso em: 30/4/2015.
DUARTE, F.; DE MARCHI, P. Fantasmagorias, vitrines, infiltrações: ensaio sobre as tecnologias e a cidade. In: L. Bambozzi; M. Bastos; R. Minelli (Orgs.); Mediações, tecnologia e espaço público: panorama crítico da arte em mídias móveis. p.51–63, 2010. São Paulo: Conrad Editora do Brasil.
LEMOS, A. Mídia Locativa e Territórios Informacionais. In: SANTAELLA, L.; ARANTES, P. (Eds.). Estéticas Tecnológicas. Novos modos de sentir. São Paulo: EDUC, 2008. p. 207–230.
LOWENTHAL, D. The Heritage Crusade and the Spoils of History. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
MANOVICH, L. The poetics of augmented space: the art of our time. In: F. von Borries; S. P. Walz; M. Böttger (Orgs.); Space time play computer games, architecture and urbanism: the next level. p.p.251–255, 2007. Basel; Boston: Birkhauser.
PIEKARSKI, W.; THOMAS, B.; GUNTHER, B. Using Augmented Reality to Visualise Architecture Designs in an Outdoor Enviroment. In: DCNET - DESIGN COMPUTING ON THE NET. 1999.
SILVA, A. DE S. E. From Cyber to Hybrid Mobile Technologies as Interfaces of Hybrid Spaces. Space and Culture, v. 9, n. 3, p. 261–278, 2006. Acesso em: 4/3/2015.
URRY, J. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. 2º ed. São Paulo: Studio Nobel / SESC, 1999.
VESELY, D. Architecture in the age of divided representation: the question of creativity in the shadow of production. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2004.