Last modified: 2015-08-27
Abstract
Introdução
A fabricação digital se encontra cada vez mais presente na vida contemporânea e vem se popularizando, vista a crescente oferta de cursos em FABLABs, que inclusive, possuem cursos voltados para o público infantil envolvendo programação e robótica, como o OLABI, no Rio de Janeiro. O maquinário já não é de uso exclusivo da indústria, e de pequenos laboratórios privados estão ganhando um público maior, podendo até mesmo ser adquirido em livrarias, como a impressora 3D Cube, a pouco mais de 6 mil reais.
A sociedade se encontra em meio a um ensaio de um futuro próximo, enquanto os centros mais avançados do mundo prototipam possibilidades de aplicação das novas tecnologias de fabricação, experimentando esse futuro na prática. Centros como o ETH Zurich que em 2006 apresentou “The Programmed Wall”, resultado de 4 semanas de experimentação com um braço robótico empregado para a construção utilizando um dos elementos mais antigos da arquitetura, o tijolo de barro. Outro projeto intitulado Minibuilders, desenvolvido no IAAC, aplica robótica e processos aditivos à construção arquitetônica, buscando atualizar a prática construtiva em relação às novas tecnologias já muito desenvolvida em outras áreas da indústria. É no meio acadêmico, através do ensino e pesquisa em novas práticas projetuais, que se encontra o estímulo para uma futura atualização da precária indústria da construção civil.
O presente Laboratório tem seus estudos direcionados à esse debate, e seu mais recente trabalho, Casa Revista, trata da possibilidade de aplicação das novas tecnologias voltadas para a solução de problemas que afetam grande parte da população mundial, um conhecimento que poucos dominam aplicado a soluções que muitos precisam. Baseado no sistema WikiHouse de construção, desenvolvido em Londres e de fonte aberta, o estudo busca seu abrasileiramento, sua aclimatação e solução de questões básicas que envolvem o morar. Com seu primeiro protótipo em escala real construído, a primeira WikiHouse da América Latina, o projeto chega à fase de estudos sobre sua aplicação prática para a solução da moradia rápida e barata, aperfeiçoando a técnica e a adaptando a condições locais. Com o intuito de renovar o debate sobre a produção habitacional no Brasil, o projeto Casa Revista visa aplicar as novas tecnologias à produção em larga escala de habitação de forma autônoma, baseada no empoderamento do construtor-morador que se torna hábil a construir sua própria casa. O projeto da casa, de livre acesso, pode ser baixado e reproduzido em qualquer oficina de fabricação, e então montado tendo como guia um manual de montagem, tão simples quanto um jogo de montar.
Metodologia
O Laboratório vem desenvolvendo pesquisas na área de fabricação digital desde 2013, com a aquisição de sua primeira máquina corte a laser. Em 2014, o projeto Casa Revista nasceu de experimentações realizadas com o sistema WikiHouse, disponível na rede para download. O sistema utiliza chapas laminadas de madeira cortadas em uma router CNC, montadas e travadas apenas por encaixes, reproduzidas inicialmente em escala 1:10. Depois de obter o domínio da técnica, partiu-se para a manipulação do desenho e sua experimentação em novo material, em escala 1:6.
Ao estudo da técnica caminhou em paralelo pesquisa sobre o vocabulário da casa popular brasileira, elementos arraigados na cultura popular do morar, que, muita das vezes, são fundamentados em questões bioclimáticas da arquitetura vernácula. O telhado em duas águas, iconográfico, ganha um desencontro entre as águas para abrigar janelas que ventilam e retiram a massa de ar quente do ambiente, adaptando a estrutura ao clima e cor local. O beiral, consagrado na arquitetura popular, aparece pela primeira vez no vocabulário da arquitetura digital, representando sua produção tropicalizada. A varanda, presente na maioria das casas brasileiras, não poderia faltar como elemento regulador térmico e de bem-estar, onde se pendura rede e coloca vaso de planta.
A nova forma foi estudada em modelos em escala, fabricados com corte a laser e submetidos a testes de carregamento, e analisada virtualmente em relação aos esforços e deformações. Esses estudos permitiram avançar em questões técnicas, aprimorando o modelo em suas diversas versões, em relação a questões como o espaçamento entre pórticos, alterações de desenho em relação à estrutura e sua finalidade, estabelecendo superfícies para a distribuição de toda rede de dutos, etc.
A completude do sistema através de uma pele externa configura o momento de maior liberdade, tanto do projetista como do construtor, que pode adaptar soluções de acordo com as condições locais. Os materiais adotados seguiram a lógica da facilidade e da economia, priorizando materiais comumente utilizados na construção civil, mesmo que aplicados de forma diferente. Assim como a aplicação de técnicas e saberes populares, como o isolamento térmico utilizando caixas de leite recicladas, que fornecerão dados para seu confrontamento em relação a materiais de alta tecnologia da indústria.
Todos esses experimentos concretizados em um primeiro protótipo em escala real nos fornecem dados para avançar na pesquisa de sua viabilidade e aplicabilidade. O protótipo vem sendo submetido a testes de transmissão de calor e ruído, intempéries, e em relação à sua habitabilidade para enfim produzir um diagnóstico de controle de qualidade ambiental e habitacional, buscando um aprimoramento futuro.
Resultados
O projeto usinado por estudantes de arquitetura ao longo de 2 meses e montado em mutirão em 2 semanas permitiu testar a proposta de diversas formas. Primeiro, sua funcionalidade como sistema estrutural e versatilidade ao permitir o uso de diferentes formas de perfis, se adaptando a diferentes climas. O sistema apresenta extrema firmeza quando a estrutura porticada e travada nas três direções é contraventada com o encaixe das chapas de fechamento, também em compensado de madeira. Afinal, trata-se de uma estrutura que vem sendo aprimorada desde 2011 por equipes de profissionais do 00 Architecture e Arup, renomado escritório de engenharia inglês, e por ser de fonte aberta, conta com colaboradores do mundo todo. A cultura colaborativa permite rápido crescimento e evolução, com testes sendo realizados em todas as partes do mundo, contribuindo para um rápido avanço do conhecimento gerado pela comunidade global.
A segunda questão, a mais significativa para a proposta do projeto, foi atestar sua facilidade de aplicação para a auto-construção. Todos os envolvidos no processo de fabricação e montagem não possuíam conhecimento prévio do sistema ou de sua fabricação. A capacitação para fabricação foi realizada durantes os primeiros 15 dias de usinagem, a um grupo de 15 estudantes, que em pouco tempo já era capaz de gerar códigos e operar a máquina router CNC autonomamente, completando a usinagem de 200 chapas de compensado em 2 meses.
No mutirão de montagem, realizado em forma de workshop com estudantes de arquitetura da universidade, a grande maioria dos participantes entrou em contato com o sistema pela primeira vez, e em poucas horas já produziam os primeiros pórticos da casa. O projeto se mostra intuitivo, de complexidade simples, podendo ser montado por qualquer pessoa munida de manual de instruções.
Assim, a proposta de popularização de um novo sistema de fabricação para produção autônoma da habitação, conclui sua primeira fase de testes com bons resultados e diversas possibilidades à frente, sendo a mais interessante para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa a sua implementação como tecnologia social, tirando partido de conhecimentos e tecnologias desenvolvidos no meio acadêmico e sua aplicação direta em benefício à sociedade.
Discussão
Dentre os objetivos do Laboratório está o desenvolvimento de pesquisas avançadas e o ensino da arquitetura, atualizando a academia em relação ao contexto contemporâneo. A experiência em canteiro experimental é outro fator relevante do projeto desenvolvido que contribui para a complementação da formação acadêmica dos alunos, que hoje se formam sem contato direto com a construção dentro da universidade.
Quanto ao projeto, sua contribuição científica para o desenvolvimento de uma nova tecnologia construtiva tira partido de matéria industrializada para a produção de residências de modo rápido e viável para a sociedade independente, em um sistema ideal para a autoconstrução, ensaiando sua aplicação em um futuro próximo.
A questão da habitação no Brasil está longe de ser satisfatória, com uma estimativa de 70% de sua produção realizada pelo mercado informal, o número de residências construídas em favelas entre 1991 e 2000 foi de 717 mil (Ministério das cidades, 2004, n. 4). A autoconstrução faz parte da cultura popular, e atualmente, não conta com suporte técnico do setor.
O projeto de fonte aberta visa dar informação e meios para que os mais habilitados possam contribuir com a geração de conhecimento e sua adaptação a condições específicas. O projeto livre, para download e reprodução, permite que as novas tecnologias atuem em favor dos mais necessitados, que não possuem condições financeiras para consumir um projeto de qualidade, e por isso se encontram à margem, atuando por conta própria e gerando condições muitas das vezes patológicas.
Esse estudo sobre a casa fabricada digitalmente tem como compromisso afirmar o caráter social e político das produções acadêmicas da universidade brasileira, que possui vocação intrínseca de servir a sociedade, e avança em direção à sua viabilização para a construção de um país mais democrático.
Keywords
References
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