Last modified: 2015-08-27
Abstract
Os ambientes hospitalares ligados ao nascimento são vivenciados pelos usuários de forma diferenciada dos demais ambientes hospitalares, uma vez que o seu público-alvo tende a apresentar condições mais amenas e positivas do que os usuários de outras unidades. Nos Bancos de Leite e suas salas de coleta são realizadas atividades relacionadas ao aleitamento materno, estimulando-se a vinda de lactantes que serão doadoras. Visto a importância do leite materno para os bebês que receberão a doação, imagina-se que o planejamento de interiores destes ambientes deve criar uma ambiência que responda a especificidade de seu público usuário, refletindo suas necessidades, anseios e expectativas.
Desde os anos 70, grande ênfase tem sido dada ao planejamento de ambientes de saúde humanizados, que sejam cada vez mais centrados nas expectativas e necessidades de seus usuários. Com a humanização pretende-se qualificar estes ambientes, de forma a desvinculá-los de imagens negativas usualmente associadas aos hospitais e assegurar atributos desejáveis a sua apropriação. Busca-se criar condições favoráveis ao atendimento à saúde pelos profissionais, a recuperação dos pacientes e a acomodação dos acompanhantes, favorecendo uma experiência mais positiva do local por todos (ROCHA, 2010; CAVALCANTI, 2009; VASCONCELOS, 2004).
Apesar da importância do desenvolvimento de projetos cada vez mais centrados em seus usuários, especialmente no ambiente hospitalar, a utilização de métodos de projeto participativos ainda é rara em Arquitetura e Design de Interiores no Brasil. Neste sentido, buscou-se contribuir para a compreensão do tema por meio da realização de uma experiência de projeto participativo para a reforma e design de interiores de uma sala de coleta de leite de um hospital-escola da <OMITIDO PARA REVISÃO CEGA>. Optou-se pela adoção de métodos de projeto participativo por possibilitarem uma compreensão mais aprofundada das necessidades dos usuários, favorecendo a apropriação e a satisfação quanto ao ambiente projetado (SANOFF, 1981, 1985, 1988). O trabalho foi desenvolvido como uma pesquisa cientifica, na qual se buscou tanto avaliar e testar a aplicabilidade de alguns métodos participativos em um projeto de interiores, quanto investigar quais os atributos ambientais desejáveis para o planejamento de salas de coleta de leite.
Para tanto foram realizados dois workshops participativos, visando compreender anseios e necessidades de lactantes, funcionários e acompanhantes em relação ao planejamento do ambiente. Previamente aos workshops, e buscando uma aproximação maior com o objeto de estudo foram aplicados os seguintes métodos: revisão de literatura, observação direta e sistemática do comportamento e AEIOU, e Análise SWOT. No primeiro workshop foram realizados Brainstorming e Poema dos Desejos, e no segundo workshop Seleção Visual e um método dinâmico para escolha de layout, desenvolvido pelas próprias pesquisadoras.
Com a aplicação dos métodos AEIOU e da análise SWOT teve-se por objetivo ter uma compreensão inicial do ambiente para melhor orientar o planejamento dos métodos posteriores e workshops participativos. O método AEIOU consiste em registrar os dados da observação direta e sistemática do ambiente em cinco formulários distintos, sendo cada um deles referente a uma das categorias a seguir: Atividades, Espaço, Interações, Objetos e Usuários (MARTIM; HANINGTON, 2012). Com base nos dados obtidos por meio da AEIOU e também em uma entrevista não-estruturada com a chefia da Unidade, foi realizada a análise SWOT. Este método, por sua vez, consiste em organizar os dados obtidos em uma tabela, através da listagem das forças (Strenghts), fraquezas (Weaknesses), oportunidades (Opportunities) e ameaças (Threats), subdivididas ainda em fatores internos e externos. Com a análise SWOT pode-se obter uma análise crítica das informações levantadas e identificar desafios, limitações e potencialidades do objeto de estudo (NUCCI, 2012).
Com os dois workshops participativos buscou-se se o aprofundamento na compreensão das necessidades ambientais e anseios dos usuários, e estimular sua participação em diferentes momentos do processo projetual. No primeiro workshop foi aplicado o Brainstorming visando definir o conceito geral da proposta a ser desenvolvida. Em seguida, foi aplicado o Poema dos Desejos, visando agora compreender expectativas e anseios mais específicos dos usuários em relação à sala, de forma a ter diretrizes detalhadas que orientassem o processo projetual. Entre o primeiro e o segundo workshop a equipe de pesquisadoras desenvolveu diferentes alternativas projetuais, centradas nos usuários. Assim, no segundo workshop, foi utilizado um método dinâmico, desenvolvido pelas próprias pesquisadoras para apresentar duas alternativas aos participantes e permitir aos mesmos refletir sobre elas, argumentar, selecionar a que mais lhe agradava e ainda propor ajustes. As mesmas foram apresentadas por meio de planta e perspectiva isométrica feitas com o software Sketchup. Cada componente do ambiente foi impresso separadamente e plastificado, de forma a serem manipulados pelos participantes sobre as plantas, ora acrescentando ou retirando ou mudando sua posição, facilitando sua interação com as alternativas projetuais. Selecionada a alternativa que melhor pareceu se adequar as expectativas dos usuários e expostos os ajustes necessários a mesma, foi aplicado o método de Seleção Visual. Neste último método, os participantes deviam apontar suas preferências em relação a algumas possibilidades de soluções projetuais para ambientação e acabamentos, de forma a orientar a elaboração do projeto executivo de interiores.
Dentre os resultados desta experiência de processo participativo, destacaram-se três atributos ambientais para nortear o planejamento de uma sala de coleta de leite: a privacidade, o aconchego e a funcionalidade. A privacidade mostrou-se um fator fundamental para garantir o bem-estar e o conforto das lactantes em relação ao ambiente. Tendo em vista que a ordenha de leite é a principal atividade realizada, faz-se necessário resguardar as mulheres que a realizam dos olhares de terceiros, que podem ser funcionários que adentram o local ou mesmo acompanhantes. A privacidade visual foi prevista em projeto por meio de boxes individuais para a ordenha do leite, com divisórias entre eles. Isso implicou numa redução no número de poltronas de ordenha que já existiam no local, mas confirmou-se como a principal demanda das lactantes e mesmo das profissionais de saúde. Esta estratégia favorece, ainda, a privacidade acústica, como para resguardar conversas entre os profissionais de saúde e os demais usuários.
A funcionalidade foi outro atributo dos que mais se destacou durante o processo. Com ela busca-se proporcionar uma configuração ambiental que favoreça a realização das atividades, rotinas e fluxos no local. Cabe observar que como a sala de coleta em questão tem dimensões bastante reduzidas, o planejamento do layout e do mobiliário teve de ser cuidadoso e coerente com todas as atividades realizadas. Além disso, cada compartimento dos armários planejados já foi previamente pensado para acomodar determinados insumos utilizados e armazenados no local.
O acolhimento, por sua vez, mostrou-se fundamental pela natureza do ambiente e perfil dos usuários. Ordenhar o leite e amamentar são atividades delicadas, de grande importância para os bebês e fundamentais para o funcionamento do Banco de Leite. Uma ambiência acolhedora, aconchegante e convidativa, que estimule a permanência prolongada das lactantes no local, mostra-se desejável para o sucesso desta Unidade Hospitalar.
A utilização dos métodos de projeto participativos certamente contribuiu para melhor compreender o perfil dos usuários, as atividades desenvolvidas e as características desejáveis para o planejamento do ambiente. Neste local, diferentemente de outros setores do hospital, não são realizadas atividades críticas de atendimento à saúde. Possivelmente por este motivo, assegurar a privacidade das lactantes e uma ambientação acolhedora de todos os usuários se destacaram como dois dos principais atributos ambientais desejados, em detrimento de outras demandas que poderiam ter sido evidenciadas como, por exemplo, referentes a infra-estrutura ou a aspectos técnico-construtivos.
O processo de projeto participativo tem se apresentado como uma importante forma de melhor compreender a percepção dos usuários em relação ao ambiente e levantar dados que certamente contribuirão para a qualidade de projetos futuros. Entretanto, este tipo de abordagem é ainda muito rara em Arquitetura e Interiores, principalmente por demandar mais tempo do que a prática usual de projeto da maioria dos escritórios que atuam na área. Este acréscimo de tempo pode ser inviável em obras urgentes ou elevar os custos dos honorários profissionais, afetando a competitividade do valor do serviço. Porém, sem dúvida, esta abordagem favorece aos profissionais um entendimento aprofundado das necessidades e aspirações dos usuários, ao mesmo tempo em que favorece a todos os participantes tomarem consciência das necessidades dos demais em relação ao local. Tais benefícios certamente contribuem para a identificação dos participantes com o produto final, maior nível de satisfação em relação à proposta e para sua responsividade.
Keywords
References
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