Last modified: 2015-08-27
Abstract
Palavras-chave: arte, linguagem visual, jogos digitais
Introdução
Com a popularização dos jogos digitais, a crescente especialização dos desenvolvedores e o surgimento de portais de distribuição especializados, a proliferação de jogos digitais produzidos de forma independente (indie games) vêm se tornando cada vez mais comum.
Produzir jogos independentes significa aprender a lidar com diversos riscos e desafios: limitação técnicas, equipes pequenas, orçamentos limitados e pouco tempo para o desenvolvimento. Por outro lado, possibilita a realização do sonho profissional de muito desenvolvedores e a possibilidade de exercer o seu potencial criativo ao máximo, pois a produção desses jogos oferece um terreno fértil para experimentações criativas, livres das limitações das IPs[1] produzidas nas grandes empresas.
Porém, em termos de arte, muitos jogos independentes acabam não aproveitando esse potencial criativo e terminam sendo apenas mais um jogo comum em meio ao mar de jogos que são lançados diariamente. Em portais que ofertam jogos independentes, a arte é o primeiro aspecto que será observado pelo usuário, funcionando como um cartão de visita. Afinal, é pelo ícone do jogo que o usuário vai tomar a decisão de clicar para conhecer melhor o produto e, em um segundo momento, é pela galeria de screenshots[2] e vídeos que o usuário saberá o que esperar do produto. Nesse âmbito, um estudo sobre os fundamentos da linguagem visual aplicados ao desenvolvimento da arte de jogos independentes se mostra imprescindível.
A pergunta que buscaremos responder é: como os conhecimentos de fundamentos da linguagem visual contribuem para o desenvolvimento de uma arte diferenciada para jogos independentes, tendo em vista as restrições e dificuldades inerentes a esse tipo de projeto?
Procedimentos metodológicos
O artigo buscará descrever os processos de criação e produção de arte para jogos independentes através do estudo de caso do jogo Adventurezator[3]. O referido jogo - do qual a pesquisadora fez parte da equipe de arte na função de artista 2D e diretora de arte - contou com a implementação dos fundamentos da linguagem visual no seu desenvolvimento, que foram aplicados tanto durante a pesquisa visual, quanto durante a sua produção.
O Adventurezator é um jogo brasileiro no estilo adventure[4] com recursos de sandbox[5], que fornece ao usuário a possibilidade de criar suas próprias aventuras, através da montagem de níveis, cutscenes[6] e campanhas[7] customizados. Produzido em Florianópolis – Santa Catarina, iniciou seu desenvolvimento em agosto de 2012, com previsão de lançamento para julho de 2015, contando inicialmente com um aporte de investimento privado, além de um investimento de crowdfunding[8] através do site Kikstarter[9]. A equipe de desenvolvimento foi composta por quatro profissionais, sendo: um diretor de jogo/programador, um game designer, uma artista 2d/diretora de arte e um artista 3d. Sendo assim, o projeto contava com uma equipe pequena, orçamento e tempo limitados. O desafio para o desenvolvimento da arte do jogo foi encontrar saídas criativas para produzir uma identidade própria, tendo em vista essas limitações. O Adventurezator está atualmente disponível em versão early access[10] no portal de jogos Steam[11].
O artigo abrangerá temas dentro dos seguintes tópicos: o trabalho do artista em uma equipe interdisciplinar, pesquisa de arte e pré-produção, produção de arte 2D, produção de arte 3D e o processo de direção de arte.
Resultados
Processos sistemáticos de pesquisa são imprescindíveis para definir o look and feel[12] de um jogo e atender as necessidades e limitações do projeto. Além disso, visam também fornecer referências visuais para as etapas subsequentes, tanto de conceituação, quanto de produção.
Na pré-produção do Adventurezator foram implementadas algumas etapas de pesquisa e design, adaptadas de um modelo proposto para a pesquisa em moda (SEIVEWRIGHT, 2009). As etapas consistiram em: briefing, brainstorm, pesquisa conceitual contendo fontes primárias e secundárias, painéis de inspiração, temáticos e conceituais e desenvolvimento de concepts. Os painéis foram organizados de forma a apresentar as principais ideias de arte para os membros da equipe e investidores. Segundo Seivewright (2009, p.96), os painéis têm a função de “criar uma predisposição, contar uma história e explorar um conceito.” Já os concepts[13] servem para desenvolver o look and feel final do jogo, eles guiarão as etapas subsequentes de produção de arte 3D.
Na etapa de concept, foram desenvolvidos os estudos dos personagens, cenários, logotipo, iconografia e interface, com base nas referências da etapa de pesquisa. Ainda na etapa de concept foram realizados estudos de forma para definir a silhueta dos personagens principais, assim como a relação entre as silhuetas e os cenários, com o objetivo de realizar uma boa relação entre forma e fundo. Além disso, várias estratégias de linguagem visual abordadas por Dondis (2007) foram implementadas na fase de concept, visando melhorias visuais no jogo, entre elas: estudos de forma enfatizando as personalidades dos personagens, estudos de cores para informar visualmente ao usuário a sensação que os cenários deveriam transmitir, estudos de contraste e escala, para destacar personagens dos cenários, entre outros.
Paralelamente, tendo em vista as limitações de tempo e equipe, foram pesquisados bancos de animações e assets que poderiam ser utilizados para facilitar o trabalho de produção, assim como foram desenvolvidos protótipos funcionais de personagens e cenários para testes.
Na etapa de produção foram desenvolvidos os modelos 3D, suas texturas e animações, bem como a interface, a iconografia e as cutscenes. Um jogo com o porte do Adventurezator demanda uma quantidade de elementos 3D que não poderia ser produzida por um só artista, sendo assim, foi implementado um processo de modularidade para a criação dos assets[14], multiplicando as possibilidade de uso para cada modelo.
Ainda na etapa de produção, foram implementados alguns processos para otimização de texturas. As texturas do Adventurezator foram todas pintadas “à mão”, com a ferramenta pincel do software Adobe Photoshop, tendo a finalidade de deixar as pinceladas aparentes e conseguir simular qualidades como volume, iluminação e texturização através da própria textura base, dispensando assim a necessidade de uso de shaders[15] complexos e pesados.
O jogo também contou com muitas cutscenes, pois tinha seu próprio editor para elaboração das narrativas. Foi realizada uma pesquisa intensiva de estilos para chegar em uma técnica que viabilizasse a produção em quantidade e o reaproveitamento de elementos. Para alcançar esses objetivos, foram utilizados conceitos de simplificação das formas, deixando os desenhos com características visuais de figuras recortadas. Já para a iconografia, foi criada uma técnica de pintura que demandava não mais que uma hora de trabalho para cada ícone, viabilizando a produção em grande quantidade, com qualidade.
O resultado de todo o trabalho foi um jogo no estilo cartoony[16], com texturas painterly[17], que consegue destaque por suas qualidades visuais. O resultado da arte do jogo Adventurezator corrobora para o fato de que o diferencial da arte de um jogo não está nos recursos de software e sim nos conhecimentos de arte que a equipe possui e aplica criativamente na busca por soluções técnicas personalizadas.
Discussão
Entre os jogos independentes não é raro encontrar casos de sucesso em termos de qualidade visual, mesmo trabalhando com equipes muito pequenas. Este é o caso do jogo Braid, que foi desenvolvido inicialmente por apenas dois profissionais, é também o caso do jogo Kingdom Rush, contando apenas com três profissionais. Ambos são exemplos claros de jogos independentes que, mesmo com poucos recursos, conseguiram alcançar um patamar superior em termos de qualidade e são conhecidos por conter um estilo de arte que os diferencia dos demais.
Para obter esses resultados, é necessário uma visão de desenvolvimento de arte que ultrapassa as limitações técnicas e abarca os conhecimento que são a base de toda criação visual: os fundamentos da linguagem visual. O uso correto desses conhecimentos, aliados ao conhecimento técnico, pode ser determinante para o sucesso de um de um jogo.
Referências
DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
JENISH, J. The art of video game. Philadelphia: Quirk Books, 2008.
MELISSINOS, C. O’ROURKE, P. The art of video games: from Pac Man to Mass-Effect. New York: Welcome Books, 2012.
MUNARI, Bruno. Design e comunicação visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
MURRAY, J. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: UNESP, 2003.
NOVAK, Jeannie. Game development essentials. USA: Cengage Learning, 2008.
RABIN, S. Introdução ao desenvolvimento de games. Vol. 3. São Paulo: Cengage Learning, 2013.
SCHELL, J. The art of game design: a book of lenses. USA: Morgan Kaufman Publishers, 2008.
SEIVEWRIGHT, Simon. Fundamentos de design de moda: pesquisa e design. Porto Alegre: Bookman, 2009.
SOLARSKI, C. drawing basics and video game art. USA: Watson Guptill Puplications, 2012.
[1] Sigla para propriedade intelectual.
[2] Imagens capturadas diretamente do jogo.
[3] http://www.adventurezator.com
[4] Tipo de jogo no qual o usuário interage resolve desafios interagindo com a narrativa.
[5] Termo utilizado para jogos que oferecem um conjunto de ferramentas para customização de níveis, cenários e personagens pelo próprio usuário.
[6] Pequenas animações que complementam a narrativa.
[7] Campanhas são mecânicas de jogo guiadas por uma narrativa.
[8] Financiamento coletivo promovido por sites especializados.
[9] Disponível em: https://www.kickstarter.com/projects/petrucio/adventurezator-when-pigs-fly
[10]Versão na qual os usuários têm acesso ao jogo antes do lançamento, podendo acompanhar seu processo de desenvolvimento.
[11] Disponível em: http://store.steampowered.com/app/300280/
[12] Termo utilizado na indústria de jogos para definir a direção de arte.
[13] Termo utilizado para designar a etapa de desenvolvimento visual, na qual todos os aspectos visuais do jogo são planejados através de desenhos que servirão de guia para a produção 3D.
[14] Um asset é qualquer componente de arte (incluindo áudio) de um jogo.
[15] Shaders são efeitos que podem ser aplicados aos modelos 3D, ou ao cenário em geral.
[16] Com acabamento estilizado no estilo “cartoon”.
[17] Texturas produzidas com acabamento “pintado à mão”, com pinceladas aparentes.
Keywords
References
DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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