XIX Congress of the Iberoamerican Society of Digital Graphics, 

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Sentir o espaço – projeto com modelos táteis
David Moreno Sperling, Inácio Vandier, Rodrigo Scheeren

Last modified: 2015-08-27

Abstract


PALAVRAS-CHAVE:  projeto; percepção; representação; modelos táteis; fabricação digital

 

INTRODUÇÃO:

O artigo pretende apresentar e discutir uma experiência didática de atelier de projeto que articulou relações entre processos de projeto, percepção e representação, crítica à primazia da visão, modelos táteis e fabricação digital. Realizada no segundo semestre de 2014 como disciplina optativa de um curso de Arquitetura e Urbanismo de uma universidade pública no Brasil, foi conduzida por um professor da universidade, um engenheiro civil portador de deficiência visual e um aluno de pós-graduação, contando com a participação de 20 alunos.

O objetivo geral da atividade descrito como o “desenvolvimento e comunicação de projeto de habitação com e para deficiente visual, com uso de modelos, plantas e mapas táteis produzidos com fabricação digital”, foi subdividido nos seguintes tópicos: exploração de relações entre projeto e formas de representação; exploração de relações entre sentidos e modos de habitar: movimentos, percepção e orientação espacial; e exploração do uso de fabricação digital para elaboração de modelos, plantas e mapas arquitetônicos táteis para deficientes visuais.

Sabe-se que a disciplina da arquitetura, tanto em sua dimensão projetiva quanto construtiva, assenta-se historicamente sobre a primazia da visão. De Vitruvius a Palladio e de Alberti a Bruneleschi, aspectos concernentes a normativas estilísticas e considerações críticas sobre o belo, a ênfases perspectívicas e mediações entre projeto e obra conferiram prevalência a aspectos ópticos. Esta primazia prosseguiu no pensamento ocidental, desde uma matriz racional mais ampla em que o ato de ver converteu-se em sinônimo de compreender (como no inglês, a expressão “I see” que corresponde a ver e compreender), até a construção filosófica do corpo como extensão de uma mente idealizadora (a partir de Descartes).  Em arquitetura, a célebre definição de Le Corbusier acerca da arquitetura como “o jogo sábio de volumes sob a luz” pode ser tomada como expressão desta extensa cosmologia que vincula razão e visibilidade.  Pode-se afirmar ainda que o sentido da visão persistiu nas diversas chaves formais do pós-modernismo e, transmutada pelas hipermídias, permanece como o canal privilegiado de intelecção, conceituação, produção e crítica da arquitetura (PALLASMAA, 2005).

Reposicionar a arquitetura diante dos sentidos requer, portanto, repensar a prevalência historicamente concedida ao sentido da visão nas relações entre um processo projetual (mediado seja por desenhos analógicos ou por interfaces visuais e algorítmicas digitais) e seu resultado formal (como produto ótimo de parâmetros definidos visualmente pelo arquiteto, mediados ou não por tecnologias digitais). Esforços no sentido da reinserção do corpo e da experiência (assim como dos sentidos) já foram realizados por autores como TSCHUMI (1975), PÉREZ-GÓMEZ (1983), PALLASMAA (1996), VESELY (2004) e NILSSON (2007), dentre outros, que procuraram desdobrar abordagens fenomenológicas na arquitetura.

Tal aspecto se torna claramente significativo quando se pretende, como no caso desenvolvido, a concepção de uma habitação “com” e “para” um deficiente visual, ou seja, quando tanto o processo projetual quanto a experiência espacial não são mediados, entre todos os integrantes da equipe e o futuro morador, pela visão. Em situações como esta é necessário que o binômio projeto-espaço seja deslocado do par visão-forma para o par sentidos-experiência e que esta outra condição seja incorporada conceitualmente nas próprias ações de projeto e nas espacialidades engendradas.

A dupla condição do projeto “com/para” pessoas com deficiência visual (PDVs) não encontra correlatos na literatura da área.  Se em grande medida a relação entre arquitetura e PDVs se apresenta fortemente mediada, e pseudo-garantida, por normas de acessibilidade (no Brasil, NBR9050), são poucos os estudos que exploram outras dimensões do problema (BENEDIKT, 2007), ou mesmo os projetos que se apropriam das deficiências corporais de maneira expressiva (IMAFUJI, 1993; OMA, 1998). Da mesma forma, como mostram trabalhos na área, experiências de tradução de aspectos visuais, formais ou espaciais em modelos táteis com o uso de fabricação digital vêm sendo realizadas com a introdução de PDVs somente em fase de teste ou como público destinatário de projetos de orientação espacial (VOIGT e MARTENS, 2006; CELANI e MILAN, 2007), de acessibilidade da arte e em museus (PUPO; ARANDA, 2011; BORDA et all, 2012; CARDOSO et alli, 2013); e de modelos tridimensionais para ensino de arquitetura (CELANI et alli, 2013). Tal fato é similar ao que ocorre nos métodos tradicionais de produção de cartografias táteis para PDVs (FREITAS e VENTORINI, 2011).

As hipóteses colocadas por este trabalho, portanto, dizem respeito em primeiro lugar a que processos de projeto e representação em conjunto com PDVs,  incorporadas como sujeitos do processo, ampliam a sensibilização dos sentidos e da experiência dos participantes, assim como dos processos e resultados produzidos. E, em segundo lugar, que a introdução da fabricação digital para a concepção de mapas, plantas e modelos táteis em parceria com PDVs pode auxiliar a legibilidade espacial e formal de projetos de arquitetura tanto por parte de PDVs quanto por parte de pessoas videntes.

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:

A atividade articulou tópicos teóricos com dinâmicas práticas, sobre os seguintes temas: arquitetura e crítica da primazia da visão; o espaço através do tato, audição, paladar e olfato; relações entre perceber, mover e habitar: corpo e espacialidade; projeto e acessibilidade: investigação espacial para além das normas; desenvolvimento de projeto de habitação com e para pessoa com deficiência visual; fabricação digital de modelos, plantas e mapas arquitetônicos táteis para comunicação de projeto.

As dinâmicas práticas anteriores ao exercício de projeto iniciaram-se com uma deambulação dos participantes pelos espaços da universidade sem o uso da visão e prosseguiram por meio de conversações e trocas de experiências entre pessoa com deficiência visual não-congênita e videntes acerca de aspectos perceptivos e vivenciais do espaço cotidiano; de aprendizado de reconfiguração do corpo e de códigos simbólicos; e de  interfaces de mediação, comunicação e informação que não fazem uso do sentido da visão.

Após estas dinâmicas e o desenvolvimento de tópicos teóricos e leituras de projetos, definiram-se coletivamente linhas gerais do programa da habitação a ser projetada, enfatizando-se que os sentidos destituídos da visão deveriam ser explorados operacionalmente no processo de projeto e de representação, e conceitual e espacialmente na arquitetura projetada. Uma vez imersos no processo de experimentação, os alunos divididos em seis grupos de projeto passaram a explorar espacialidades e materialidades em função do tato, da audição e do olfato, em contato direto com uma PDV.

Em paralelo aos processos de criação e à necessidade de codificação geral dos projetos, definiu-se a utilização simultânea de mapas, plantas e modelos táteis, os quais foram conceituados a partir da experiência em construção e de literatura sobre o assunto (VOIGT e MARTENS, 2006; FREITAS e VENTORINI, 2011; CELANI et alli, 2013). Neste sentido, desenvolveu-se uma caixa portátil para abrigar as representações táteis de cada projeto, entendendo-as como um sistema de complementaridades, necessário para

RESULTADOS:

O artigo final apresentará e discutirá os seguintes tópicos: os aspectos enfrentados e as respostas dos alunos diante do desafio do uso de interfaces táteis de projeto; a caixa portátil de representações táteis concebida; e o quadro de codificações e dimensões para corte e gravação a laser desenvolvido em conjunto com uma PDV para uma correta legibilidade de projetos de arquitetura. Dentre os resultados obtidos, antecipamos que o processo de fabricação digital utilizado (placas de mdf cortadas a laser) resultou em duas características opostas: a limitação na diversidade de materiais e texturas a serem explorados pelo tato e a precisão e constância dimensional, relevantes para a correta legibilidade dos códigos por uma PDV.

DISCUSSÃO:

A experiência desenvolvida evidenciou que a ativação dos outros sentidos possui grande potência como estratégia de sensibilização de futuros arquitetos, mostrando-se a crítica à primazia da visão como uma questão fértil a ser explorada no processo de ensino e aprendizagem sobre a arquitetura. Dentre os aspectos-chave, destacam-se a ênfase à experiência espacial e à investigação de interfaces táteis de projeto.

A utilização conjunta de mapas, plantas e modelos táteis em processo e comunicação de projeto mostrou-se decisiva para a construção de leituras complementares sobre o espaço vinculando orientação espacial, dimensões e organização espacial, formas e tridimensionalidade.

Os resultados desta primeira edição da atividade estão sendo editados para a realização de uma exposição no centro cultural da universidade. E outra edição desta disciplina optativa foi requerida pelos alunos, permitindo que novas experimentações em relação a processos de projeto com PDVs com uso de modelos táteis e fabricação digital sejam realizadas.

 

 


Keywords


projeto; percepção; representação; modelos táteis; fabricação digital

References


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TSCHUMI. Bernard (1975). Questions of Space: The Pyramid and the Labyrinth (Or the Architectural Paradox. Studio International, September-October.

VESELY, Dalibor(2004). Architecture in the Age of Divided Representation: The Question of Creativity in the Shadow of Production. Cambridge: MIT Press.

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