XIX Congress of the Iberoamerican Society of Digital Graphics, 

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A injeção de fluxos analógicos em algoritmos: um “pecado” do UNStudio
rovenir Bertola Duarte

Last modified: 2015-08-27

Abstract


Introdução:

Após a proliferação de algoritmos generativos, principalmente os algoritmos gráficos, parece nítida a possibilidade de transformação do processo projetual arquitetônico, seja por seu caráter aberto à criação participativa através de parâmetros, ou seja por permitir emergir uma série de novas formas antes incubadas. Alguns autores, como o italiano Mario Carpo (2001) (2003) (2011a), detectam uma maudança de paradigma na arquitetura devido a escrita e ao código: o "paradigma da variabilidade" (CARPO, 2011b). Segundo Carpo, esta mudança baseada na escrita se iniciaria com a introdução da imprensa mecânica e com os primeiros algoritmos dos tratados arquitetônicos na Renascença. Contudo, na atualidade, o movimento se consolida "do alfabeto ao algoritmo" (CARPO, 2011b), fortalecendo uma espécie de mudança de pensamento, como sugerem Peters e Kestelier (2013): um "pensamento algoritmo". Algo que vai na mesma direção do estudo do neurologista Stanislas Dehaene, para quem o homem moderno pode estar modificando pouco a pouco o modo de pensar devido à força da difusão da escrita em sua vida. Ainda é prematuro construir uma relação definitiva entre a citada modificação do pensar e a proliferação do tal "pensamento algoritmo" (...e as potenciais mudanças de paradigmas), contudo, esta proliferação de um tipo de pensamento mais codificado abre espaço para algumas questões: Quais seriam as consequências desta mudança do pensar, mais codificado e estruturado, para o processo de criação projetual? O que se poderia estar perdendo com a ausência de uma linguagem menos codificada? Por fim, o que se poderia fazer para enxertar algo de linguagem não codificada em um ambiente binário como o digital?

Com estas três questôes, este artigo objetiva gerar uma reflexão sobre uma possível mudança de paradigma orientada por um pensamento codificado e estrutural. Esta reflexão parte das ponderações do filósofo francês Gilles Deleuze e de um estudo de caso sobre o trabalho do escritório holandês UNStudio (dando prosseguimento ao debate apresentado na tese de Duarte, 2015). O ponto principal, na visão deleuzeana, é a semelhança que o pensamento codificado produz. Para Deleuze  a imagem necessita perder esta semelhança para que a diferença surja e, assim, um pensamento realmente criativo possa emergir. Para exemplificar, este pensador toma o exemplo cristão onde o homem seria feito à imagem e semelhança de Deus e que, após "pecar", manteria somente a imagem e perderia a semelhança. Algo como um "pecado" seria necessário para abrir lacunas na correspondência estabelecida pelos códigos, assim este "pecado" (transversalidades do análogo) é o tema deste trabalho.

Procedimentos metodológicos:

Propõe-se uma abordagem divida em duas etapas: a primeira (a) uma reflexão teórica para definir os conceitos e os rumos da investição. Na segunda (b), um estudo de caso para entender estes conceitos e esta discussão na prática arquitetônica.

(a) A primeira etapa visa embasar teóricamente uma reflexão sobre as três questões, anteriormente citadas, a partir das ideias do filósofo Deleuze retiradas do seu curso na Universidade de Vincennes em 1981. Durante este curso, Deleuze (2007) aborda, desde a pintura, uma visão do pensamento criativo atravessado por um tipo de diagrama. Assim, o autor conceitua a linguagem em código (estruturada, convencional, modular e digital) e a linguagem analógica (caótica, não semelhante, modulada e diagramática) e suas funções na formação do pensamento. Segundo ele, a linguagem analógica cumpriria uma importante função neste pensamento criativo, pois desfaria a semelhança, introduziria o caos, modularia o módulo... Em outras palavras, para Deleuze seria necessário pensar por meios que não se resumissem a convenções ou códigos, como a escrita da linguagem computacional, para emergir um pensamento realmente novo. Contudo, em certo momento do seu curso (5 de maio de 1981), o filósofo imagina "...uma idéia um pouco louca: codificar relações analógicas. Ou seja, uma linguagem que segue sendo analógica, mas que passa por um código...", o filósofo francês comenta que poderia existir um interessante modo de "...injetar fluxos analógicos" (DELEUZE, 2007, p. 139) nos códigos digitais. Em resumo, Deleuze busca conceitua e definir a importância do pensamento analógico para o processo criativo, como também, esboça a hipótese da inserção de fluxos analógicos na linguagem codificada através de um diagrama, logo, age como um "pecado" que abre lacunas na lógica de correspondência do código. Entendidos e justificados estes pontos, a investigação procede com um estudo de caso.

(b) Na segunda etapa, a análise de dois projetos do escritório holandês UNStudio é apresentada, o Museu Mercedes-Benz e a Estação Central de Arnheim. Esta análise parte de dois tipos de fonte, uma com textos publicados pelo escritório sobre o papel de seus diagramas e design models na inserção de modos analógicos de pensamento ("fluxos analógicos"). A outra, com conversas e visitas realizadas no ano de 2013 durante a pesquisa de doutoramento. O escritório do UNStudio é reconhecido por seus modelos paramétricos e arquitetura algorítmica (pensamento codificado), ainda que, ao mesmo tempo, suas experiências com diagrama deleuzeanos também se destaquem em suas atividades projetivas. Neste sentido, o trabalho deste escritório parece reunir um interessante caso de injeção de "fluxos analógicos" em linguagem codificada na busca de, nas expressões dos textos produzidos pelo próprio escritório, "romper a estrutura", "introduzir o caos", "retardar o tipo"... (VAN BERKEL e BOS, 1999; 2006; 2006b). Esta injeção fica a cargo de algo que o UNStudio chama de "design model", reunindo o algoritmo (código) e o diagrama deleuzeano. Um recurso que busca a introdução de uma informação estranha aos códigos, ainda que esteja codificada e que permita usufruir de suas vantagens como um estímulo à produção em grupo. Funciona como um tipo de resistência pelo pensamento analógico, à introdução de um "pecado" que busca romper a lógica da semelhança estabelecida pelo código (DELEUZE, 2007). Em resumo, o estudo propõe entender como o raciocínio diagramático proposto pelo UNStudio, trabalhando através de linguagem codificada e digital, consegue injetar "fluxos analógicos" e obter algum resultado em prol da inserção da diferença (criativo).

Resultados:

Propõe-se com esta investigação, de modo geral, ampliar o debate sobre o impacto dos processos baseados em softwares de script, como os editores de algoritmo, na formação de um tipo de pensamento e paradigmas projetuais. De modo mais específico, a partir das reflexões deleuzeanas sobre a linguagem codificada e analógica, é possível conceituar pontos necessários para o entendimento da mudança de pensamento ou paradigma apontada no artigo, podendo trazê-los para o conhecimento do projeto de arquitetura na contemporaneidade. A partir desta mesma base teórica é possível discutir o que pode ficar ausente em um pensamento predominantemente codificado, mais especificamente, para o ato de criar no processo projetual. Por fim, entender como o diagrama poderia "injetar fluxos analógicos" na linguagem codificada digital. Parte-se da hipótese que os diagramas parametrizados trabalhados pelo escritório holandês UNStudio poderiam injetar um tipo de pensamento analógico que, ao final, podem ajudar o processo criativo rompendo a relação de semelhança estabelecida nos códigos. Trata-se de um tipo de inserção de um pecado em prol da emergência da diferença e de um pensamento criativo.

Discussão:

Desde a inserção da tecnologia digital no mundo da arquitetura, anteriormente fortemente artesanal, um sentimento um pouco saudosista e romântico tenta freá-la com uma defesa em prol dos hábitos do arquiteto do passado. Contudo, o que está postulando aqui não se relaciona com uma defesa saudosista, mas uma reflexão sobre o modo de pensar que pouco a pouco se consolida na arquitetura e estimula mudanças de paradigmas. Considerando que qualquer transformação de paradigma não exige o desaparecimento de um modo de pensar, ainda que implique predomínios e orientações, a reflexão aqui presente se relaciona com o que se pode perder com a debilitação do pensamento analógico nos processos projetuais (sem códigos). Neste sentido, as colocações do filósofo francês Gilles Deleuze e as experiências do escritório UNStudio podem apontar futuras e novas miscigenações e oxigenações para o conhecimento projetual arquitetônico digital.


Keywords


Projeto digital e analógico; UNStudio; Diagrama e Deleuze

References


Architectural Design. Computation Works: The Building of Algorithmic Thought. Brady Peters e Xavier de Kestelier (eds.), London, Abril, 2013, 152 pags.

CARPO, Mario. Architecture in the age of printing: orality, writing, typography, and print images in the history of architectural theory. Cambridge: MIT Press, 2001.

CARPO, Mario. Del alfabeto al algoritmo: sobre la autoria digital y el diseño paramétrico. Arquitectura Viva. Africa Esencial. Madrid, n.140, 2011b, p. 112.

CARPO, Mario. The alphabet and the algorithm. Cambridge: MIT Press, 2011.

DELEUZE, Gilles. Pintura: el concepto de diagrama. Buenos Aires: Cactus, 2007.

DUARTE, Rovenir. El diagrama arquitectónico después de Deleuze: estudio de casos holandeses. Tese de doutorado, ETSAB-UPC, Barcelona, 2015.

UNStudio. Buy me Mercedes-Benz: the book of museum. Barcelona, Actar, 2006.

VAN BERKEL, Ben e BOS, Caroline. UNStudio: Design Models, architecture, urbanism, infrastructure. London: Thames & Hudson, 2006.

VAN BERKEL, Ben e BOS, Caroline. Diagrams: interactive instruments in Operation. In: Lotus International: Diagrams (Milan), n. 127, 2006, p. 106-113.

Entrevista Nuno Almeida (Senior Architect of UNStudio) realizada em 20 de junho de 2013, em Rotterdam, pelo autor deste artigo.

 


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