XIX Congress of the Iberoamerican Society of Digital Graphics, 

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Reflexões sobre o Design de Jogos Digitais Acessíveis: Casos Papa Sangre e BlindSide
André Luiz Sens, Alice Therezinha Cybis Pereira

Last modified: 2015-08-27

Abstract


Introdução

Os jogos digitais conquistaram um papel relevante nas relações sociais, culturais e, sobretudo, econômicas. A indústria de jogos é uma das mais significativas do setor do entretenimento. Cresce também as discussões e iniciativas em torno do uso desses sistemas interativos e lúdicos para formação, aprendizagem e reabilitação. Entretanto, existe um segmento social considerável que não está inteiramente incluído nessa revolução causada pelos jogos: os portadores de deficiência.

Estima-se que 15% da população mundial, aproximadamente 1 bilhão de pessoas, apresenta algum tipo de desabilidade motora, cognitiva ou sensorial (OMS, 2011). Apesar do elevado número, a oferta de produtos destinados a esse público é relativamente escassa, principalmente considerando a grande diversidade de lançamentos para computadores, consoles e outros dispositivos.  A adaptação não é geralmente pensada nos requisitos iniciais do projeto, resultando em grandes esforços de reengenharia e desenvolvimento de tecnologias assistivas suplementares que oneram ou inviabilizam a produção.

Além disso, dentre o reduzido espectro de jogos disponíveis para atender a esses consumidores, há uma predominância de produtos destinados a tipos específicos de deficiência, que desconsideram o uso por outros públicos em potencial. Jogos exclusivamente para cegos ou surdos são usualmente inoperáveis ou desinteressantes para os outros perfis de jogadores, incluindo os plenamente capazes. Isto é, não há efetivamente uma inclusão social, pois ainda mantém o acesso restrito a um certo perfil de usuários.

Procedimentos Metodológicos

O artigo visa, portanto, a partir de uma abordagem exploratória, apresentar essa problemática e promover a discussão de possíveis caminhos para a produção de jogos acessíveis. Para isso, foram considerados discursos que relacionam as práticas de design e a acessibilidade, bem como a análise descritiva dos audiojogos de horror Papa Sangre e BlindSide, especialmente considerando as suas interfaces audiovisuais. Além das semelhanças de gêneros, esses aplicativos apresentam aspectos de design inovadores que incluem videntes e cegos em uma mesma plataforma de diversão, sem tecnologias adaptativas.

Resultados

Em ambos os jogos, a relevância gráfica é menor ou nula em relação a sonora, assumindo que videntes e não videntes possam consumir o jogo. Entretanto, não se pode afirmar que os dois grupos possuam a mesma experiência ou nível de dificuldade. Segundo Parker (2013), os jogadores cegos de BlindSide costumam finalizar o jogo mais rapidamente. Isso pode estar relacionado a familiaridade com o contexto cognitivo. Além disso, o possível desinteresse dos videntes é descartado, se considerarmos os indicadores de aceitação desse público nos comentários positivos realizados na App Store (2014). Papa Sangre II possui uma avaliação 4 e BlindSide 3,5 “estrelas”, de um máximo de 5.

Independente das questões tecnológicas e funcionais envolvidas, é necessário enfatizar a relevância do gameplay no desenvolvimento desses jogos. O enfoque de ambos os sistemas interativos não estava essencialmente na autonomia dos usuários com deficiência. A perspectiva projetual concentrou-se na produção de uma experiência lúdica, significativa e inovadora tanto para os videntes quanto para os cegos. A condição de não visualidade é introduzida como um componente narrativo para os ambos os perfis de usuários. Para quem enxerga, esses jogos propõem um desafio a ser superado, assim como qualquer obstáculo intencionalmente projetado em um jogo.

Outro ponto a ser destacado é que não existe uma tentativa de emular ou adaptar o mundo visual aos cegos, o que torna desnecessária qualquer tecnologia assistiva como suporte à interação, simplificando processos produtivos e comerciais.   Por outro lado, ao se valer dos princípios de Connel (1997), é difícil enquadrar os dois produtos como universais. Isso porque há definitivamente uma diferença cognitiva e experiencial a ser considerada entre os videntes e os cegos. Além disso, os audiojogos são evidentemente inapropriados para surdos ou portadores de severas desabilidades motoras. Tecnologicamente, há também restrições: Papa Sangre é destinado apenas a usuários de dispositivos Apple e o aplicativo mobile BlindSide se destina apenas aos usuários do sistema iOS.

Independente dessas questões, os dois jogos oportunizam criativamente um interesse comum entre jogadores com diferentes condições de visão, favorecendo a um tipo de inclusão atípica na indústria de entretenimento digital, dominada por jogos dependentes da visualidade.

Discussão

Apesar de apontar alguns pontos críticos em relação a produção de jogos acessíveis, o artigo se propôs a apresentar uma reflexão positiva sobre esse contexto através do olhar sistêmico e criativo do design. Para viabilização de qualquer produto, faz-se necessário aliar interesses de todos os clientes envolvidos nas práticas projetuais.

Os audiojogos analisados exemplificam essa perspectiva, pois assumem videntes e cegos desde o início como usuários e consumidores, garantindo uma preocupação que vai além da facilidade de uso. Envolve também a experiência lúdica significativa dos jogadores a partir de uma narrativa envolvente e uma tecnologia específica pensada em prol da ampliação da imersão.

Nesse sentido, a acessibilidade não deve ser encarada apenas como uma série de leis, normas e ações assistencialistas que visam propiciar o acesso aos deficientes. Precisam permitir uma condição igualitária e irrestrita a todas as interações disponíveis. Possibilitar a todos os indivíduos, deficientes ou não, as mesmas oportunidades de consumo, socialização e diversão.

Apesar disso e diante dos casos apresentados, fica evidente que pensar em um produto totalmente universal, que atenda plenamente a todos os tipos de jogadores, pode ser uma tarefa quase ou inteiramente utópica. Entretanto, o progresso se verifica no tratamento dado aos usuários com deficiência nesses jogos especificamente. Não são vistos como um problema a ser resolvido posteriormente através de adaptações, mas sim como um potencial nicho de mercado.

Outra ressalva é que, apesar de tratar de dois audiojogos, o artigo buscou, através da perspectiva do design, fomentar a discussão sobre possibilidades de projetos viáveis, inovadores e criativos que possam ser adotados em situações que envolvam outras deficiências, seja pelas produtoras mainstream ou projetos independentes (indies).

Apesar da consideração do mercado como uma perpectiva de viabilidade de implementação, não estão excluídas abordagens que contemplem não só a indústria de entrenimento, mas também iniciativas educacionais que visem a aprendizagem e a construção de conhecimento a partir de uma abordagem lúdica proporcionada pelos jogos.

 


Keywords


Design, Jogos Digitais, Acessibilidade.

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