XIX Congress of the Iberoamerican Society of Digital Graphics, 

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Espaço-Tempo-Movimento: contribuições das animações para a investigação de espaços em Arquitetura
Wilson Florio, Ana Tagliari

Last modified: 2015-08-27

Abstract


O objetivo deste artigo é destacar algumas características espaciais que podem ser investigadas e identificadas a partir de simulações computacionais dinâmicas: animações. A partir de cinco animações computacionais, são analisados aspectos perceptivos promovidos pelo deslocamento do observador virtual pelos espaços internos dos edifícios. A contribuição principal é apontar vantagens desse tipo de análise em relação às análises gráficas estáticas, dependentes de projeções ortográficas (2D).

Introdução

As análises e críticas tradicionais se amparam em descrições verbais sobre algo que é relativamente difícil de ser percebido: o espaço. A percepção (que capta o mundo exterior) e a imaginação (que processo internamente esse mundo) são altamente estimuladas diante de imagens ou sequências de imagens, como no caso da animação. A animação permite “penetrar” no espaço, proporcionando uma investigação temporal dos espaços em movimento. Isso implica em dizer que o “observador virtual” percorre, virtualmente, trajetórias preestabelecidas no espaço, de modo a obter algumas sensações provocadas pela ordenação sequencial dos elementos construtivos e também dos espaços circundantes. Ao circular pelos espaços internos e externos ampliam-se as possibilidades de julgamento dos significados desses espaços. Como bem afirmou Giedion (2004, p.465), “a fim de apreender a verdadeira natureza do espaço, o observador deve se projetar através dele”.

Espaços são qualificados para ações, assim como ações são qualificadas pelos espaços, afirmou Tschumi (1996, p.130). Os espaços dilatados promovem eventos coletivos, enquanto os espaços contraídos promovem eventos privativos. Assim, dilatações e contrações de espaços agenciam acontecimentos variados. Logo, infere-se que os espaços atuam diretamente sobre nossos sentidos, de modo físico e psicológico.

O espaço é o protagonista da arquitetura. Arquitetos delimitam, circunscrevem espaços com elementos arquitetônicos. Esses espaços possuem tensões variadas, provocando distintas sensações. O espaço é o receptáculo de todas as coisas criadas e visíveis, afirmou Platão, no livro Timeu. Mas este continuum indivisível contém algumas propriedades que atuam sobre os sentidos. Uma das constatações mais importantes é o fato que o espaço, percebido ao longo do tempo, requer o deslocamento do observador, implicando em sucessivos direcionamentos do olhar durante um dado percurso.

Na realidade, animações computacionais são geradas a partir de uma sucessão de quadros (frames) por segundo. A ilusão de movimento ocorre a partir da sucessão de imagens que sequencialmente são mostradas durante determinado tempo. Por ser constituída por quadros, pode-se alterar a velocidade de apresentação das imagens; pode-se congelar uma vista, ou seja, pode-se alterar o modo de percepção de uma cena em movimento. A câmera lenta permite ficar atento a cada pequeno movimento, enquanto que a câmera parada congela o olhar num determinado tempo. “É a câmera lenta que enumera os possíveis”, escreveu Merleau-Ponty (2004, p.68). Nesse sentido, “enumerar possíveis” significa vislumbrar várias possibilidades interpretativas da mesma cena observada.

Procedimentos Metodológicos

As etapas de realização desta pesquisa foram as seguintes: 1. Interpretação e análise dos desenhos digitalizados do acervo digital da FAUUSP; 2. Modelagem geométrica dos elementos arquitetônicos; 3. Separação dos elementos construtivos de acordo com os materiais a serem simulados; 4. Importação da modelagem no 3DSMax; 5. Inserção de luzes e de câmeras; 6. Aplicação dos materiais às superfícies dos objetos; 7. Simulações estáticas, isto é, renderizações, de diferentes ângulos dos espaços internos e externos; 8. Produção de simulações dinâmicas, ou seja, animações, com o deslocamento do observador virtual a partir de percursos e trajetórias (paths) determinados; 9. Reflexão sobre os espaços simulados.

Resultados e Discussão

Durante a produção das animações, constatou-se que a grande vantagem desse tipo de investigação de espaços ocorre justamente pelo fato de se poder deslocar no espaço, e direcionar o olhar a diferentes pontos de interesse no espaço. As sucessivas visões parciais permite ao observador descortinar relações entre formas e espaços, apreciar transparências e opacidades, luz e sombra, cheios e vazios, e, sobretudo, os efeitos estéticos decorrentes da combinação entre esses fatores.

Em todas as simulações, iniciou-se a investigação dos espaços a partir de sequências espaciais, desde o exterior até o interior de cada edifício. Assim, cada sequência permitiu apreciar um conjunto de fatores que conduzem o espectador a diferentes graus de confinamento, que ocorre na passagem do exterior ao interior, no deslocamento pelos ambientes internos entre os diferentes pavimentos, até atingir o nível mais alto do edifício.

Em cada sequência procurou-se identificar diferentes aspectos concernentes às qualidades dos espaços propostos pelo arquiteto. Na primeira sequência, procurou-se identificar as proporções, ritmos e harmonia entre os elementos que compõem a fachada do edifício. O deslocamento lento e sucessivo permitiu a cada momento verificar a relação entre cada elemento, seja a relação entre as aberturas (portas e janelas) e as paredes, seja o trajeto –frontal ou diagonal – imposto pelo arquiteto para a penetração nos espaços internos, ou mesmo as transições espaciais impostas por meio de rampas ou escadas até atingir a porta de entrada do edifício. Portanto, buscou-se relatar as diferentes sensações provocadas pelo modo de condução do usuário nesse trajeto que conduz do espaço externo ao interno.

Na segunda sequência, atentou-se às sensações provocadas após penetrar no espaço interno, e os diferentes focos de atenção provocados pela distribuição dos pavimentos e elementos no espaço. Como todos os projetos investigados tinham alternâncias de pés-direitos, houve a necessidade de entender quais espaços se apresentavam com maior ênfase, e quais os recursos utilizados pelo arquiteto na delimitação dos espaços internos.

Na terceira sequência da animação, o deslocamento do usuário pelos espaços no pavimento térreo foi conduzido até a rampa ou escada interna, de modo a permitir a investigação dos espaços durante o percurso de deslocamento vertical ao edifício. Após essas três sequências iniciais, a câmera virtual, correspondente ao “olho” do observador, era deslocada lentamente pelo espaço de modo a permitir a devida apreciação das qualidades e características espaciais de cada projeto analisado.

A partir dessas sequências espaciais, a pesquisa realizada identificou algumas propriedades e aspectos mutantes espaciais que as animações computacionais tornam possível revelar com maior propriedade. A primeira é que o espaço é apreciado durante “o tempo”, fazendo com que as sucessivas imagens propiciem uma compreensão das relações espaciais com maior intensidade e maior profundidade, uma vez que envolve maior nível de detalhamento entre as sucessivas imagens apreciadas ao longo do tempo.  Ao contrário dos desenhos, tais como plantas, cortes, elevações e perspectivas, os sucessivos quadros que formam cada animação facilitam a compreensão da inserção do observador no espaço, estabelecendo uma aproximação muito mais intensa com a realidade que apreciamos quando estamos corporeamente dentro de espaços físicos. Embora as animações também sejam formadas por sucessivas imagens bidimensionais, parece que esse recurso computacional desperta outros sentidos, além da visão, como sensações sinestésicas.

A segunda constatação é que os diferentes graus de iluminação provocados pelo deslocamento da direção da luz do sol ao longo dia, e em diferentes estações do ano, provocam distintas sensações espaciais, particularmente em edifícios dotados de amplas janelas e iluminação zenital. Durante as animações foi possível constatar que os variados “desenhos”, formados pela penetração dos raios solares sobre as paredes e pisos internos dos edifícios, despertam a sensação de estar realmente imerso no espaço, apreciando aspectos mutantes do espaço.

A terceira constatação é que a grande vantagem da animação é justamente propiciar a apreensão simultânea de múltiplos aspectos relativos ao espaço: alternâncias entre dilatações e contrações espaciais, entre cheios e vazios, luz e sombra, transparência e opacidade, brilhos e reflexos, diferentes texturas dos materiais, entre outros aspectos. O deslocamento virtual pelo espaço conduz o observador virtual a apreciar cada espaço a partir desse conjunto de aspectos, e não apenas pelas suas dimensões (largura, comprimento e altura). Durante a pesquisa notou-se que espaços dotados de amplas aberturas tornavam-se maiores do que suas dimensões físicas, pois o olhar ultrapassava os seus limites internos. Em diferentes momentos foi possível identificar a fluidez de certos espaços, e a real intensão do seu autor em promover a conexão e integração espacial entre diferentes pavimentos por meio de rampas e pés-direitos duplos. Portanto, essa percepção espacial, propiciada pelo deslocamento no espaço ao longo do tempo, torna possível compreender aspectos mutantes no espaço, que só podem ser devidamente apreciados nessa relação espaço-tempo-movimento.

Na presente pesquisa, a relação espaço-tempo-movimento não é estudada sob o viés da concepção de projetos, mas como a animação propicia uma experiência espacial e as consecutivas sensações provocadas durante o deslocamento do observador na relação espaço-tempo. Para ultrapassar a dificuldade expressa por Bruno Zevi (1996, p.18), que afirmou que “o espaço interior, o espaço que [...] não pode ser representado perfeitamente em nenhuma forma, que não pode ser conhecido e vivido a não ser por experiência direta”, nas últimas décadas podem ser simulados por meios computacionais. A experiência da cor, da luz, do material e de suas propriedades, como brilho e reflexo, aprofunda a noção de espaço pelo “walkthrough”. Consequentemente, o artigo contribui para a reflexão sobre a importância das animações digitais como meio de análise de espaços arquitetônicos, assim como apontar suas vantagens em relação à análise gráfica tradicional bidimensional.


Keywords


Animação; Simulação; Modelagem; Percepção; Espaço

References


Brady, D. A. (1997). The Mind's Eye: Movement and Time in Architecture. Proceedings of ACADIA Conference Cincinatti, Ohio (USA) 3-5 October 1997, pp. 85-93.

Giedion, S. (2004). Espaço, Tempo e Arquitetura: O Desenvolvimento de uma Nova Tradição. São Paulo: Martins Fontes.

Johnson, G. (1992). In the Palaces of Memory: How We Build the Worlds Inside of Our Heads. New York: Vintage Books.

Kern, S. (1983). The Culture of Time and Space, 1880 – 1918. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press

Larson, K. (2000). Louis I. Kahn. Unbuilt Masterworks. New York: The Monacelli Press.

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Martens, B., & Peter, H. (2012). The Destroyed Synagogues of Vienna. Münster: LIT Verlag GmbH.

Merleau-Ponty, M. (2004). O olho e o espírito. São Paulo: Cosac Naify.

Ojeda, O. R., & Guerra, L. H. (1996). Hyper-Realistic. Computer generated architectural renderings. Massachusetts: Rockport Publishers / McGraw Hill.

Tschumi, B. (1996). Architecture and Disjunction. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press.

Zevi, B. (1996). Saber ver a Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes.


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